A devoradora de gente
Isso aconteceu muito tempo depois que o maldito Mirko Aleanos me transformou. Por causa dele hoje sou uma pessoa, ou melhor vampiro, que sabe muito mais de história do que os professores que acham que sabem tudo por terem mestrado e doutorado. Vamos lá. A noite ia alta e claramente aconchegante para um ser em minha condição de existência. Um vampiro adora a noite por dois motivos básicos: primeiro para não morrer queimado pelo sol e segundo que fica bem mais fácil para caçar. Eu ainda caçava humanos naquela época e foi por conta disso que descobri este animal. Hoje em dia chamam-no de zumbi, mas na verdade chama-se Ghoul. Os Ghouls são criaturas que se alimentam da carne humana e assumem a aparência e as memórias das vítimas. Isso os ajuda muito a viver por um bom tempo. Pelo menos até caçadores como Furio e Richter sair em seu encalço. Cheguei à cidade de Marselha, pouco tempo depois do início da peste. Estava com muita sede e iniciei minha procura por minha comida na parte mais decadente da cidade, pois nestas áreas embora quem more lá não seja muito vigoroso, fica mais fácil conseguir sangue. Eu nunca fui um vampiro do tipo “sanguinário”, eu bebia sangue somente para aplacar a fome que consumia minhas entranhas e nunca criei um discípulo, até Luciano. Andando pela cidade percebi que seria difícil comer algo pelo estado em que estavam todos. A Peste negra era implacável naqueles tempos, mas como toda regra tem uma exceção percebi uma mulher muito linda que andava tranquilamente pelas ruas. Pensei em dar-lhe logo o bote, mas achei estranho o modo como ela se portava. Preferi espreitar primeiro. A mulher entrou em uma casa e se não fosse minha audição privilegiada não teria ouvido nada, mas como vampiro nada me escapa. Ouvi o barulho de algo como uma pequena luta na casa. Tão logo o barulho cessou ouvi algo que me deixou nervoso, o mastigar de algo duro que estalava. Parecia a mastigação de ossos. E para meu espanto descobri depois que era. Assim que acabou o barulho uma outra mulher saiu da casa. Nesta eu pude perceber traços da peste, e aí a coisa ficou tenebrosa mesmo para um vampiro. As feridas causadas pela peste estavam sarando, rápida e continuamente até a mulher se tornar bela na flor da idade. Não preciso dizer que a cidade de Marselha era um berço de lindas mulheres, mas a peste as estava dizimando. Como é que aquela ali estava conseguindo se regenerar? A única resposta possível é que ela fosse um ser sobrenatural. Passei a segui-la esquecendo da fome. Ela passou a noite toda entrando e saindo das casas e pelo que vi foi só se fortalecendo. A cada ataque ela era mais rápida. Em uma das casas eu a vi entrar e não precisei de audição vampírica para saber que ali ela teria trabalho. Curioso voei para a janela a fim de ver tudo. Havia na sala uma mulher deitada acometida pela peste e um homem forte havia se postado para defendê-la quando o Ghoul entrou na casa. O homem percebeu de cara do que se tratava e algum tempo depois eu descobri porque. Ele era Jean Louis Cameran, o caçador mais notório da cidade de Marselha. Ao entrar na casa, acredito eu pois só vi o que acontecia lá dentro depois, o homem deve ter percebido que sua vizinha, que há pouco estava coberta pela peste,não era realmente a sua vizinha e, sem saber de que ser se tratava, clamou o nome de Deus e se colocou em posição de luta. Quando fui para a janela ele estava armado apenas com uma pequena faca, que usava para cortar os bubões da doença e o Ghoul estava parado como se não acreditasse que haveria ali resistência. Na verdade não sei ao certo. Coisa de dois segundos e a luta começou. O homem partiu feroz para cima do Ghoul com a pequena faca, e quem pense que ele estaria em desvantagem neste caso se engana. A velocidade como ele manejava a faca era surpreendente. Com três movimentos rápidos ele abriu três feridas no corpo da mulher. Uma em seu braço, ao defender-se do primeiro ataque, a segunda em seu rosto, um talho generoso e o terceiro no peito, este mais ameno, porém não menos doloroso a julgar pelo seu grito de dor. Como numa luta os dois lados tem direito a “turnos” a mulher Ghoul entrou em ação. Na base da força bruta ela avançou para cima de Jean e começou a golpear, não para acertar, mas para encurralá-lo. Jean sabia o que ela tentava fazer e tentou caminhar para os lados, mas ela era veloz também e não o deixava. Ele e ela sabiam que se ela conseguisse segurá-lo já era. Quando ele sentiu a parede as suas costas eu percebi que o combate tinha acabado. Ele arremeteu com a faca em riste na direção da mulher e acertou. Para sua infelicidade ele só conseguiu enterrar-lhe a faca no braço. Com a outra mão ela pegou seu pescoço e puxou-o em direção a sua boca. Não o matou de uma vez. Mordeu ali e passou a sugar seu sangue, como eu o faria, até que ele não mais esboçasse reação. Acabado o sangue, eu nunca vi tamanha rapidez, ela passou a mastigar o corpo do homem. Cabeça, tronco, membros, ossos. Comeu tudo. Não sobrou nada. E aí, para não deixar sobrar “comida” fez o mesmo com a mulher. Ao sair da casa ela estava com a forma da mulher que vi moribunda e muito mais esplendorosa. Onde estava parado fiquei a observá-la e ela veio até mim. - Porque me segue vampiro? – me surpreendi com a pergunta. - Queria saber o que você era. - Ou pensas em beber meu sangue? Devo lhe dizer que não é lá muito gostoso e que você, sendo um vampiro jovem, não teria chance contra mim. – me surpreendi de novo. Não precisa fazer a pergunta que se estampa em sua face. Eu sei muitas coisas. Sou quase tão antiga quanto o vampiro que o criou. Sinto o cheiro dele em você. Mirko Aleanos não foi? Pois é. Sei de muita coisa. - O que é você? - Sou um Ghoul. – e neste momento ela tomou sua verdadeira forma. Meu nome é Noelle e eu nasci no ano de 1.152 aqui mesmo em Marselha. - Vai tentar me devorar? - Você não sabe nada mesmo não é, vampiro? Ghouls não comem outros seres, digamos, diferentes, só humanos. E humanos puros. Mas quem sabe se você conseguir sobreviver durante muitos anos aprenda algo. - Você sabe que existem caçadores por aí. Algum pode acabar indo atrás de você. - E porque fariam isso? A culpa das mortes é da peste e o sumiço dos corpos dificilmente será lamentado por alguém. Adeus vampiro. Talvez a gente se esbarre algum dia. Ele para seu relato e olha para Richter. - Eu soube que ela andou muito tempo ainda pela Europa e, sem ironia, comeu muita gente. Mas não sei que fim levou. - Você disse que ela tomou sua forma real em sua presença. - Sim, tomou, porque? - Olhe esta foto. É ela? – Richter mostra uma foto a Alphonso. - É sim. Onde a conseguiu? - Foi tirada ontem. Pelo visto ela sobreviveu muito bem. - Richter, um Ghoul adquire de suas vítimas todas as suas capacidades e lembranças. Ela vive a tempo suficiente para ser quase invencível. São quase nove séculos de vida, experiência e força. - Então estamos quase empatados, Alphonso. Eu vivo há quase sete séculos. - Mesmo assim tenha cuidado com ela. - Ne craignez pas pour moi, mon ami. Je suis le cauchemar des êtres infâmes. (Não temas por mim, meu amigo. Eu sou o pesadelo dos seres nefastos.) A Devoradora de gente - O confronto Herança de Sangue!!! Sombra do Quilombo. Léo Rodrigues
Enviado por Léo Rodrigues em 31/07/2012
Alterado em 14/11/2012 Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |