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Textos

A Bruxa.

                         Idade média. Século XIV. Ano 1348. Historicamente a cidade de Marselha, na França, foi assolada pela Peste Negra nesta época quando embarcações genovesas procedentes da Criméia aportaram na cidade. Em uma disseminação devastadora, a Peste foi responsável pela morte de grande parte da população. Poucas pessoas escaparam.
                         Para tristeza de um jovem trabalhador da lavoura, um camponês simples, porém apaixonado por sua mulher e filha, a Peste chegou. Chegou e levou consigo um de seus mais preciosos diamantes: sua esposa Belle Delacour. Pior do que viver uma vida cheia de dificuldades ao lado de sua esposa, seria viver uma vida de dificuldades sem ela. E como criar sozinho uma filha? Que futuro ele, Armand Delacour, poderia dar a sua filha de dois anos, a pequena Marie? Pensando em tudo que poderia fazer, e realmente não seria suficiente, Armand resolveu entregar sua filha aos cuidados de uma tia distante de sua esposa. Uma mulher estranha, dona de uma casa encravada no meio de uma floresta. Se Armand imaginasse que no futuro a floresta seria chamada de Floresta da Perdição e que sua filha se tornaria uma pessoa bem diferente do que ele gostaria, não teria aberto mão de criá-la mesmo em meio as dificuldades.
                         Com o passar dos anos, Marie cresceu em companhia de sua tia Blanche aprendendo as artes da magia. Blanche era uma bruxa e se esmerava em ensinar suas artes à jovem Marie, mostrando-lhe tanto os caminhos do bem quanto o caminho direto à magia negra, como fora feito com ela antes. A escolha do caminho a seguir caberia não ao mentor ou mentora, mas sim ao aprendiz. A jovem Marie é que teria que escolher o caminho a seguir. Felizmente, para três homens que cruzariam seu caminho no futuro, ela escolheu o caminho do bem.
                         Aos dezoito anos, Marie, já uma bruxa de grande poder, sofreu mais uma reviravolta em sua vida, a primeira relacionada aos seres míticos e, julgados por alguns, malditos. Ela e sua tia Blanche estavam catando lenha na floresta quando um grupo de lobisomens apareceu. Cinco para ser mais exato. Marie ainda não tinha visto um, a não ser nos livros de Cabala de sua tia.
                         - Tia?
                         - Acalme-se Marie. – e voltando-se para o líder da pequena matilha. O que querem?
                         - A floresta é sua bruxa. Para ficarmos nela temos que pedir permissão.
                         - E porque você quer ficar em minha floresta? Para me atrair problemas?
                         - Não. Eu sei que sua floresta é protegida por suas magias e só conseguem adentrá-la aqueles que não pretendem fazer-lhe mal.
                         - Está sabendo muito.
                         - O suficiente. Meu nome é François e só lhe peço para ficar por aqui. Os inquisidores estão nos perseguindo e eu preciso de tempo.
                         - Para fugir deles?
                         - Meu problema não são os inquisidores e sim Alistair.
                         - Alistair? Ele está de volta a França?
                         - Vejo que o conhece bruxa.
                         - Quem não o conhece, François? O Vampiro Ancião mais antigo da França, se não for da Europa. Ele não pode pisar nestas terras.
                         - Exato.
                         - Você pretende confrontá-lo? Porquê? Ele andou comendo da sua ração?
                         - Não bruxa, nós não nos banqueteamos de humanos. O problema é que ele está deixando um rastro de corpos por onde passa. Aqueles que ele não considera dignos de tornarem-se vampiros são abandonados aos corvos. Isto atraiu a atenção dos caçadores para nós que não temos nada com isto. Toda primeira noite de lua cheia é nosso tormento. Podemos estar acorrentados, mas nossos urros e uivos podem ser ouvidos. É a pior noite. E é justamente nestas noites que ficamos a mercê da entrega a nossos instintos assassinos ou dos caçadores da Santa Madre Igreja. Eles não sabem quem está cometendo os assassínios...
                         - Então eles caçam todos. Os vampiros e os lobisomens.
                         - Sim. Mas se ficarmos em sua floresta podemos evitar contato com eles e nos preparar para o confronto com as forças de Alistair.
                         - Está certo, François. Vocês podem ficar, mas o primeiro problema que vocês me trouxerem ou causarem eu mesma arrancarei seus corações.
                         - Você tem a minha palavra, bruxa.
                         - Muito bem.
                         A matilha de François se estabeleceu na floresta de Blanche e embora não lhe tenha trazido problemas diretos, a cada primeira noite de lua cheia seus uivos e urros podiam ser ouvidos a quilômetros de distância. Tal situação ocasionou o batismo de Floresta da Perdição. Além disso, proporcionou a Marie conhecer Nöel, um dos lobisomens mais novos da matilha e alguém que se tornaria importante em seu futuro.
                         No tempo que passavam juntos, Nöel aprendeu com Marie uma maneira de prender os lobos sem os velhos grilhões atados a árvores centenárias. O uso de símbolos pintados no chão se mostrava mais eficaz para impedir que ao se transmutarem eles saíssem pela floresta ou pudessem derrubar uma árvore e arrastá-la em sua fúria insana por sangue e carne humana.

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                         Em uma manhã de primavera, aconteceu a segunda reviravolta na vida de Marie. Blanche resolveu ir até um vilarejo próximo certificar-se da possível existência de uma bruxa. As vibrações de energia demoníaca chegaram até ela e assim como as anjos guerreiam com os demônios, as bruxas de lados opostos também se digladiam. Sendo assim, Blanche e Marie seguiram pra a vila a fim de se livrarem do “problema”.
                         - Marie, vamos nos separar para achá-la mais rápido. Lembre-se, não faça nada contra ela. Nós não precisamos ter os caçadores atrás de nós, entendeu?
                         - Então o que eu faço se encontrá-la, Blanche?
                         - Esqueceu o que te ensinei todos estes anos? Jogue no chão a seus pés a infusão de Tarabar e pronuncie as palavras ritualísticas. Será suficiente para ela se enfraquecer e sua verdadeira aparência se tornar visível.
                         - E com isto as pessoas chamarão os inquisidores para terminar o serviço.
                         - Precisamente. Eu não quero problemas, Marie, nunca quis. Já basta saber que nossa floresta é chamada de Floresta da Perdição pelos habitantes daqui.
                         - Você pode expulsar os lobisomens de lá e tudo voltará ao normal.
                         - Expulsá-los? É, seria uma boa ideia, se nem eu nem você tivéssemos palavra.
                         - Desculpe.
                         - Muito bem. Vamos em frente.
                         As duas bruxas se separam e iniciam a procura pela terceira. Caminhando pelas ruas do vilarejo, Marie se envolve um pouco com a atmosfera feliz que cerca o lugar. Acostumada a viver isolada com Blanche na floresta, ela acaba se perdendo em devaneios vendo as crianças brincando próximas a pequena feira. Ela só volta a si quando é abordada por um homem.
                         - Com licença senhorita.
                         - Hã?
                         - A senhorita não é daqui, é? Eu nunca a vi.
                         - Não, não sou. Estou só de passagem.
                         - Se não for insolência de minha parte eu poderia acompanhá-la. Meu nome é Antoine Charrier. Qual seu nome senhorita?
                         Ela hesita um pouco, mas responde.
                         - Marie Delacour.
                         - Posso acompanhá-la, senhorita?
                         - Acho melhor não.
                         - Mademoiselle. Eu só a deixarei seguir seu caminho se me deixar acompanhá-la e servir de guia, já que a senhorita não é daqui.
                         - Vou dizer uma vez só para que o senhor entenda. Eu me sinto muito lisonjeada, mas o senhor não irá me acompanhar. E ainda lhe dou mais um conselho senhor Antoine, vá para casa e fique por lá.
                         Com a firmeza que se vê obrigada a utilizar para tirar o jovem galanteador de seu caminho, Marie dá as costas como resposta a pergunta muda que se formou em seus lábios e caminha decidida na direção de uma mulher que parece ser a bruxa que ela e sua tia procuram.
                         No trajeto Marie vai entoando uma magia para que as pessoas inocentes que ali estão sintam uma vontade irrefreável de deixar o lugar. Por estar fora do alcance de ação de Marie, o jovem Antoine não só não abandona o lugar como também acompanha os passos, mesmo que a certa distância, da bruxa Marie.
A bruxa negra, percebendo o que poderia acontecer e lançando mão de seu anonimato entoou, tarde demais, um cântico para tentar se proteger de Marie, mas a jovem Delacour já tem poder suficiente, pelo menos para se defender, e assim como tudo começou também terminou rápido. Marie passou da magia para tirar as pessoas do lugar para uma de defesa e proteção, que foi suficiente para deter a ação da outra, seguindo para uma que travasse a voz e por fim atirou-lhe aos pés a infusão de Tarabar com as palavras ritualísticas.
                         A bruxa negra, afetada pelo poder da infusão mágica, tem sua força vital drenada de modo que fique fraca o suficiente para não fugir e sua aparência retorna a forma carcomida que a idade e o preço da magia negra lhe cobram. À distância, não só Antoine Charrier como algumas outras pessoas assistem ao cenário. Todas escandalizadas à exceção de Charrier. Os olhares de assombro dão lugar ao ódio iniciando um rumor que logo se transforma em clamor. O povo clama pela fogueira para as bruxas. Com isto Marie não contava.
                         As pessoas começam a cercá-la e tochas já surgem nas mãos delas. Marie poderia utilizar qualquer de suas fórmulas mágicas, mas algo a impede. A bruxa negra. Sua força se esvaiu, mas ela ainda teve um mínimo para lançar um feitiço que impedisse Marie de utilizar sua arte, pelo menos por enquanto. E o cerco vai se fechando a sua volta.
                         Quando as pessoas já quase podem segurar Marie eis que acontece algo que ninguém imaginaria: o galante Antoine Charrier vem a galope em seu cavalo, puxa Marie para sua sela e da mesma forma que chegou parte dali. Pode até parecer cena de cinema, mas foi o suficiente para salvar a vida da bela Delacour.

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                         Antoine e Marie cavalgam em silêncio. A única ação de Marie durante todo o trajeto foi apontar na direção da Floresta da Perdição e causar um tremor no corpo de Charrier, mas nada que fosse suficiente para que ele desistisse de levá-la até lá. Já que entrou na empreitada, que seja de cabeça. Chegando a orla da floresta o casal encontra Blanche e desmonta o cavalo.
                         - É bom vê-la Blanche.
                         - Quem é você rapaz?
                         - Este é Antoine Charrier. Ele me salvou do povo.
                         - Cassandra era uma velha conhecida. Você deu sorte Marie.
                         - Você a viu?
                         - Depois que o seu galante salvador lhe tirou de lá eu afastei as pessoas e conversei com ela. Ela estava tentando refugiar-se por aqui para se recuperar do confronto com Aquiléa.
                         - Aquiléa? A Aquiléa?
                         - Sim, Marie, A Aquiléa. Senhor Charrier, seus serviços não são mais necessários, você já pode ir embora.
                         - Obrigada Antoine. Eu lhe devo a minha vida.
                         - Talvez me deva um pouco mais senhorita.
                         - Como ousa? – irrita-se Blanche.
                         - Um momento Blanche. O que quer dizer?
                         - Por tê-la salvado eu me tornei um pária. Terei que ir embora destas terras. A senhorita me custou um exílio.
                         - E o que quer dizer com isso?
                         - Que se algum dia eu precisar de algo, qualquer coisa, eu gostaria de poder contar com a ajuda da senhorita. É pedir muito?
                         - Não. Se algum dia precisares de minha ajuda, podes me procurar nesta floresta. – ela retira um de seus braceletes e entoa um cântico rápido. Tome. Isto permitirá que você entre na floresta sem nenhum problema para falar comigo. Tome cuidado em sua jornada, não há somente bruxas caminhando sobre a terra.
                         - Eu sei. Senhora Blanche, não posso dizer que foi um prazer, mas fique bem. E você senhorita Marie, até breve.
                         - Até breve.
                         Antoine monta novamente e parte para o mais longe possível dali. Blanche e Marie entram na floresta e caminham em silêncio até sua cabana
                         - Marie, a partir de hoje você terá que se virar sozinha aqui.
                         - Porque Blanche?
                         - O encontro de Cassandra e Aquiléa só pode significar uma coisa.
                         - E o que seria?
                         - Que Aquiléa resolveu retomar sua obsessão. Destruir todas as bruxas e ser a única na face da terra e isto significa que alguém terá que pará-la.
                         - Você?
                         - Ela está vindo na direção de Marselha, se já não estiver por aqui. Você conhece outra bruxa que possa tentar impedi-la?
                         - Não.
                         - Pois bem, eu vou até ela. Não vou esperar que ela chegue aqui. Você já é capaz de se cuidar sozinha e não permitir que nenhuma outra bruxa negra profane estas terras.

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                         Seis meses se passaram, Blanche não retornou, mas também não houve notícias sobre a bruxa Aquiléa. Junto a isto, quase pronta para a batalha contra Alistair, a matilha de François deixou as terras de Marie, não mais retornando a não ser em um episódio: Nöel e Millie, perseguidos por Marc e Andreas Richter, acabaram por bater à porta da bruxa. Este acontecimento proporcionou o encontro entre o filho primogênito e único do conde Richter com o amor de sua vida, a bruxa Marie Delacour. Independente disto, Nöel permaneceu ali durante dois meses. O tempo que Marie achou necessário para curar-lhe todas as feridas e o tempo que ela conseguiu segurar o lobisomem a fim de evitar Andreas.
                         Um dia Marie teria que enfrentar seu novo destino e foi justamente quando Nöel foi embora. Ela não teve mais como manter Andreas longe de sua casa e não só sua solidão acabou como também os princípios de Andreas tiveram que ser revistos. Pelo menos aqueles referentes às bruxas.

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                         Exatamente um ano após a partida de Blanche, em uma noite em que a lua encontrava-se encoberta por nuvens e por uma sensação de mau agouro no ar, alguém resolveu fazer-lhe uma visita. Alguém com uma condição incomum para atravessar a floresta.
                         - Antoine!
                         - Quanto tempo jovem Marie. Posso entrar?
                         - Você está cheirando a vampiro. O que lhe aconteceu?
                         - Bem, é isto mesmo que você deve estar imaginando. Eu fui mordido e preciso de sua ajuda.
                         - Para se curar?
                         - Não. Para sobreviver a uma batalha.
                         - Como assim, Antoine? Você não vai me dizer que o vampiro que o mordeu foi...
                         - Alistair. Sim, ele é o meu mestre.
                         - Você vai participar da batalha contra os lobisomens da matilha de François?
                         - Você é uma bruxa que sabe das coisas, Marie. Sim e como você me deve a vida eu gostaria de te pedir que saudasse esta dívida me ajudando. Eu preciso estar forte o suficiente para enfrentar os malditos cães.
                         - Eu não posso. – no tempo em que os lobisomens viveram na floresta, Marie acabou ficando amiga de Nöel e ajudar Antoine agora seria uma traição a sua amizade.
                         - Não pode? Deixe-me dizer-lhe uma coisa. Se hoje eu sou um vampiro eu agradeço a você, então não me interessam seus motivos, eu quero sobreviver à batalha e você vai me ajudar.
                         - Você vai tentar me obrigar, Antoine? Você pode acabar morrendo aqui e agora.
                         - Como você quase morreu na praça, há um ano, não é? Meu mestre me disse que as malditas bruxas não tinham palavra. Eu devia ter acreditado nele.
                         - Está bem Antoine. Eu tenho palavra sim, mas você não vai entrar em minha casa. Aguarde aqui enquanto eu vou te preparar algo.
                         - Eu sabia que poderia contar com sua ajuda, senhorita Marie.
                         Marie sabe que não deveria ajudar nesta contenda, mas Antoine disse uma coisa muito certa, se não fosse por ele, ela não estaria viva. Sendo assim nada lhe resta a fazer senão preparar uma poção para ajudar Antoine. O que não lhe impede de dar a mesma poção a Nöel a fim de equilibrar as coisas na batalha.
                         E assim ela o fez. Após dar a poção a Antoine, Delacour a entregou a Nöel de modo a acabar com a vantagem que ela havia fornecido ao vampiro. Sem imaginar qual poderia ser o resultado da batalha e sabendo que se François, o líder da matilha de Nöel, descobrisse o que ela fez a mataria, Marie tomou a decisão que traria mais uma mudança importante em sua vida. Ela resolveu fugir da França. E sua história de amor com o caçador Andreas Richter teve que ser interrompida.




O Padre.


Léo Rodrigues
Enviado por Léo Rodrigues em 15/06/2011
Alterado em 06/10/2011
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