O Arqueiro Sombrio

“Tem certeza, Furio?”

“Certeza eu só tenho de que um dia morrerei, Templário. Eu tenho fé.”

“Fé não será suficiente se realmente estivermos indo destruir um Sabbat.”

“Com medo, Templário?”

“Nunca em minha vida.”

Os dois homens andam um pouco mais na floresta até ouvirem a ladainha das bruxas. A partir daí seguem com cautela até a borda da clareia e qual não é sua surpresa ao ver que no meio do Sabbat está erigida uma cruz e presa à cruz...

“A Mensageira de Deus.”

“Temos que ter cautela, Templário. Olhe.”

Olhando para a direita acompanhando o olhar de Furio, o Templário vê Andreas Richter, de torso nu com runas gravadas em seu peito, acorrentado a um vigoroso carvalho na orla da clareira. Ele trava contato visual com Richter e o Caçador não esboça reação aparente.

“Ele está pronto para ser solto e lutar até a morte.”

“O que percebeste que não chegou a mim, Furio? Ele parece muito ferido, exangue e seu olhar parece perdido.”

“Confia em mim, Templário?”

“Sabes que sim.”

“Então fique à postos para soltar o Caçador ao meu sinal.”

O Templário caminha sorrateiramente até a posição da árvore que serve de prisão para Richter enquanto Furio se prepara para a investida. Neste momento a ladainha das bruxas é interrompida pela líder.

“Irmãs. Hoje nos tornaremos as bruxas mais poderosas desta terra. E tudo isso graças ao sangue da Mensageira de Deus. Nosso senhor Lúcifer mostrou-me que o sangue de nossa inimiga é a chave para nos tornarmos seu exército na terra. – Ela se vira para Marie. Hoje, Marie Delacour, daremos um fim a sua linhagem vergonhosa de bruxas. Isabella, traga o Cálice de Astaroth.”

Em posição respeitosa e subserviente, a bruxa Isabella atravessa o grupo com o Cálice de Astraroth em suas mãos. As bruxas ao redor, atentas e concentradas ao ritual nem percebe o ataque que se inicia.

Furio Archetti invade o Sabbat de espada em punho e inicia o banho de sangue. As primeiras bruxas ao seu alcance nem percebem como a morte as arrebatou tão rapidamente. Com o alvoroço que se inicia no acampamento do Sabbat, os olhos antes vidrados de Richter assumem a raiva feroz do Caçador. O Templário destrói os grilhões que o prendem e Richter lança mão de sua espada cravada na árvore, trava um rápido contado visual com ele, agradecendo, e se lança num balé mortal contra as bruxas.

Aquelas que estavam mais próximo a cruz de Marie recuperadas da surpresa inicial iniciam cânticos para invocar suas defesas. Todas ali conhecem Furio Archetti e sabem que ou agem rápido ou o encontro com seu mestre Lúcifer se dará mais prematuro do que elas poderiam um dia imaginar.

Furio vai abrindo caminho pelo meio. Richter pelo flanco direito em um frenesi de sangue e fúria impressiona o Templário que vem pouco atrás fazendo estrago na legião de bruxas. E mesmo quando as primeiras invocações começam a se erguer do inferno nenhum deles para. Salvar a Mensageira de Deus é seu foco. Para Richter, seu coração.

A líder das bruxas e Isabella, protegidas pelas demais tentam finalizar o ritual. A líder Vivian entoa as últimas palavras do ritual, desembainha a adaga sacrificial e busca o pescoço de Marie. Por um átimo de segundo, Furio pensa que não chegará a tempo, mas sua fé não o permite pensar o pior. O brilho prateado rasga a escuridão da noite e Vivian vai ao solo com a espada de Richter cravada em seu peito.

O cerco de criaturas invocadas se fecha e aumenta ainda mais. Isabella deposita o cálice no chão, toma para si a adaga e se prepara para cumprir a missão que cabia a sua líder.

“Você morre aqui hoje, Marie Delacour. Em honra à Astaroth. Em subserviência à mestre Lúcifer.”

Os três contendores continuam tentando avançar, mas agora está realmente muito mais difícil. O campo de batalha está tomado por criaturas da noite impedindo seu avanço mais rápido. Nenhuma arma em seu poder mesmo se arremessada conseguirá impedir que Isabella mate Marie. Richter dobra os esforços. Sua fúria o leva ao limite do corpo, mas ele não para. O Templário a seu lado também não diminui o ritmo. Mas eles sabem que é quase impossível salvar Marie.

“Me perdoe por não se capaz de te salvar, Marie. – diz Richter para si mesmo, e aumentando sua voz, como um brado de guerra. Irão todos perecer sob a fúria de minha espada. Malditos.”

Do outro lado, lutando contra um cão de duas cabeças, Furio ouve o brado de Richter e sente a dor em seu em peito por não ter sido capaz de ajuda a salvar a jovem bruxa. Em seu íntimo ele pede perdão a Deus por não ter sido capaz. Mas Furio entende que Ele sabe de tudo. E que se não for para salvar Marie e porque seus desígnios são outros. Sua prece por Marie se encerra junto com a vida do cão de duas cabeças à sua frente. E seu último pedido foi para que Deus tome conta da jovem bruxa.

Furio nunca foi decepcionado pelo Senhor. Deus ouve as preces de Furio. A bruxa Isabella faz encosta a adaga no pescoço de Marie e se regozija com o olhar de tristeza da jovem bruxa. Marie não está triste por ter sua vida ceifada desta forma. Ela está triste pelo que sua morte poderá causar no coração do Caçador. Estoica ela encara sua algoz. Isabella prepara para num único movimento cortar o pescoço de Marie. Mas como dito antes. Deus não abandona Furio. Deus nunca deixa de ouvir suas preces.

A flecha atinge em cheio o pescoço da bruxa Isabella. Incrédula, ela solta a adaga e leva a mão ao ferimento no pescoço. Antes de cair ao solo ela vê um homem surgir das sombras atrás da cruz, soltar Marie rapidamente e voltar com ela para as sombras da noite.

Furio olha para o céu, faz o sinal da cruz e agradece a Deus por mais uma vez atender suas preces.

Com esperança renovada os guerreiros insuflam seus espíritos novamente e combatem com ainda mais abnegação. E agora eles não contam apenas com suas armas. As flechas vão atravessando o campo de batalha e derrubando bruxa a bruxa. Inimigo a inimigo. Uma ajuda providencial numa batalha tão feroz. E não obstante, Marie retorna das sombras lançando feitiços em tudo que se move no meio do Sabbat.

Após um tempo que parecia interminável de combate a batalha se encerra com quase todas as bruxas do Sabbat mortas. Algumas poucas conseguiram escapar, mas isso é o que menos importa. O importante é que a bruxa Marie Delacour, a Mensageira de Deus está salva.

“Marie.” – diz Richter abraçando a jovem bruxa.

“Meu Caçador.”

Enquanto Richter e Marie se abraçam, Furio e o Templário caminham para a floresta na direção de onde as flechas eram lançadas. Dois homens se apresentam.

“Somos gratos por vossa ajuda, senhores.”

“Disponha, Padre.”

Apesar da escuridão, o Templário esquadrinha o arqueiro, que percebe.

“Algum problema, Templário?”

“Não dissestes vossos nomes.”

“Espero que nossa ajuda tenha sido de grande valia. Vamos seguir viagem agora.”

“Porque a pressa, nobre arqueiro? Gostaria de saber o nome de meu salvador.” – diz Marie se aproximando.

“Nomes não são importantes, senhora. O importante é que esteja sã e salva.” – responde o homem menor

“Me fará a desfeita de não saber os nomes dos homens a quem devo a minha vida?”

“Tens algo a esconder?” – pergunta Richter se aproximando com espada em punho.

Furio e o Templário também se colocam em posição de alerta. Por fim, o menor dos homens se adianta.

“Eu sou Deniel, Senhora.” – responde o homem menor.

“E eu sou Gael.”

“Ouvi falar de um arqueiro chamado Gael. Era o líder dos Arqueiros Sombrios da Bretanha. Um homem sanguinário, à propósito.” – diz Richter levantando sua espada.

“Acalme-se meu Caçador. Algo me diz que esta história mudou. Não é, arqueiro?”

“Mudou senhora. Muito coisa mudou na verdade.”

“Fique quieto, Deniel.”

“O que você está escondendo homem? Fale logo.”

“Não sou mais o líder dos Arqueiros Sombrios da Bretanha. Eu sou o último Arqueiro Sombrio da Bretanha. Todos foram mortos por soldados de Belial numa emboscada.”

“E como só você escapou?”

“Deus enviou o Arcanjo Rafael para me salvar porque tinha uma missão para mim.”

“Que missão?”

“Estar aqui hoje e ajudar a salvar a vida da bruxa Marie Delacour, a Mensageira de Deus.”