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Textos

Vida de piloto.

            Grande prêmio da Hungria de GP2. Última etapa da temporada de 2010. Na disputa pelo título o brasileiro André Valence e o norte americano Michael Spencer.
            Para os dois brilhantes pilotos não será apenas a definição da temporada, mas está em jogo também a porta de entrada para a fórmula 1. Durante toda a temporada as negociações andaram indefinidas devido não só aos patrocinadores como também por conta do talento dos pilotos. Um acordo acabou sendo firmado: o campeão se tornará o segundo piloto da equipe Mclaren, a equipe que consagrou Ayrton Senna e o vice ocupará a vaga de piloto de testes. Uma decisão incomum para o meio.
            Na pole position o brasileiro e a seu lado, não poderia ser diferente, Michael Spencer. Ao longo da temporada os dois travaram grandes duelos na pista. Em outras oito corridas eles dividiram a primeira fila. Em cinco oportunidades, incluindo esta, André foi o pole. Cinco a quatro em voltas voadoras de classificação, enquanto nas vitórias quatro para cada lado. A exceção das pole positions, os dois pilotos encontram-se rigorosamente iguais. A corrida promete.
            Os pilotos partem para a volta de apresentação. O clássico balé de aquecimento dos pneus. A adrenalina sobe inevitavelmente. Cada piloto ocupa novamente seu lugar no grid. Como de costume, após o último carro alinhar no grid um fiscal acena com uma bandeira informando ao diretor de prova que está tudo certo. A luz vermelha acende, sobe o giro dos motores, o coração de André acelera, luz verde. Largada. O brasileiro larga bem e pula na frente, mas o norte americano parece não querer deixar André escapar. A disputa pela liderança da prova na primeira volta parece querer exprimir o que será a corrida mas, o que ninguém imaginava acontece: o bico do carro de Michael Spencer toca a roda traseira de André fazendo-o rodar. O brasileiro pára ao contrário na pista e espera que todos passem por ele para que manobre e retorne a corrida.
            Na liderança da prova, Spencer vai abrindo vantagem para os demais pilotos, garantindo uma corrida tranqüila. O que era para ser a corrida mais disputada e de tirar o fôlego da temporada, acaba por se tornar um passeio do norte americano na Hungria. Na vigésima segunda posição, André Valence entra nos boxes, troca os pneus comprometidos e volta a pista a fim de tentar uma recuperação que seria espetacular.
            Volta a volta a ansiedade cresce no interior dos boxes da equipe do brasileiro. E volta a volta ele vem utilizando um estilo de pilotagem arrojado ultrapassando cada adversário, cada piloto à sua frente em busca do líder. Se a corrida terminasse agora, sua frustração não caberia dentro do cockpit.
            Spencer faz uma corrida tranqüila, à exceção de ultrapassagens por retardatários que normalmente abrem para o líder. Esta talvez se confirme como a vitória mais fácil da sua carreira na categoria. Talvez.
            Na décima posição André parece uma bala. Os adversários nunca o viram pilotar tão arrojadamente como hoje. Mais uma ultrapassagem e ele já é o nono colocado. Faltam treze voltas para o fim da prova. No rádio a equipe pede que ele alivie, sua recuperação é fantástica, mas não será suficiente para vencer a prova e muito menos o campeonato. O brasileiro responde uma única frase e desliga o rádio.
                        - Eu sou brasileiro, porra. Não desisto nunca.
            Realmente os mecânicos têm razão. Trezes voltas é muito pouco, mas Deus gosta de pilotos brasileiros, que o diga o Mister Mônaco Ayrton Senna, o mito Senhor da chuva. Dois retardatários se chocam lançando pedaços de carro pela pista e um deles fica atravessado exatamente no meio da reta de chegada. Safety car na pista.
            Com a entrada do safety car todos os carros se aproximam. A diferença que Michael Spencer havia imposto aos demais é suprimida. André encontra-se agora com nove carros entre ele e o norte americano. Sete em volta normal e dois outros retardatários. Doze voltas para decidir. Melhoraram em duzentos por cento as suas chances. Deus é brasileiro mesmo.
            Duas voltas com safety car, e André ganha mais uma posição com o abandono do norte americano Wendell Novak. Oito carros o separam de Michael.
O safety car abandona a pista, a corrida recomeça e André voa para cima dos adversários mais uma vez. Na relargada ele ultrapassa três pilotos, o sétimo e o sexto colocados e um retardatário. Menos de oito voltas e o brasileiro continua acreditando. A torcida na Hungria vibra com a garra de André. E mais uma ultrapassagem. Ele já é o quinto colocado.
            Lá na frente Spencer é avisado pelo rádio para apertar o da direita que o “Bala” se aproxima. Nos boxes todos começam a se referir a André como o “Bala de Prata” devido às cores de seu carro e a corrida que ele vem fazendo. Michael Spencer nem se preocupa em saber o porquê do apelido, só pensa em pressionar o acelerador e garantir logo a vitória.
André encosta na traseira do quarto colocado. Ele observa que o terceiro está logo à frente. Faltam seis voltas. Ele pressiona o adversário que por sua vez aperta o terceiro. Aí o susto. O motor de Akuro Higashi, o japonês terceiro colocado, estoura formando uma perfeita cortina de fumaça. No reflexo, André joga o carro para a esquerda saindo da fumaça e ultrapassando o espanhol Felipe Endurain. André Valence agora é o terceiro colocado faltando cinco voltas para o fim da prova.
                        - Cinco voltas, eu tenho que conseguir, pensa André. O carro tem que agüentar. Não posso ter meu ano todo jogado fora por causa de uma infelicidade.
            André acelera e diminui a diferença para o segundo colocado, seu companheiro de equipe e também brasileiro Marcelo Guardião. Ele se aproxima rápido, até porque Marcelo não teria nada a ganhar atrapalhando o amigo. André bota de lado e ultrapassa. Marcelo faz um sinal de ok e André vai embora. Quatro voltas e caminho livre para a caça.
            Entre o brasileiro e o americano a diferença é a reta de chegada e um retardatário. Para três voltas é uma diferença considerável, mas a sorte está do lado do Brasil. Enquanto André ultrapassa o retardatário, o alemão Löthar Shon, Spencer encosta em outro na parte mista do circuito de Hungaroring e, infelizmente para ele, acontece o que não poderia e nem havia acontecido durante o desenrolar de toda a prova: problemas. O retardatário não abre de maneira nenhuma para sua ultrapassagem e ele perde um tempo precioso.
            Na reta de chegada, Spencer finalmente se livra do retardatário, porém, faltando duas voltas para o fim do campeonato a diferença entre os dois pilotos protagonistas da melhor temporada de GP2 de toda sua história é visual. Quem tiver mais braço vai levar o titulo.
            Tomando uma postura defensiva, o norte americano vai tentando segurar o brasileiro. André sabe que só conseguirá ultrapassá-lo na reta dos boxes por ser o único ponto de ultrapassagem neste circuito. O problema é que seu carro, em relação ao de Spencer, é inferior na reta devido ao acerto aerodinâmico. Ele rende muito mais na parte mista onde não há ponto de ultrapassagem. O que fazer?
            Adriana, a namorada de André não pára de rezar. Desde que ele desligou o rádio e não quis mais saber de contato com a equipe, ela, que já fica nervosa durante as corridas, triplicou seu nervosismo. Ela tem consciência que o namorado está jogando sua vida no automobilismo nesta prova. Seu sonho de entrar na Fórmula-1 numa grande equipe está sendo decidido no asfalto da Hungria. A obstinação dele é o que a atraiu e é o que a deixa receosa em cada uma das corridas. A obstinação dele é motivo de medo por parte dela. Medo da perda. Ela não deseja que ele tenha o mesmo destino trágico que seu ídolo, o Glorioso Ayrton Senna. Por isso ela reza. Por isso ela joga nas mãos de Deus a sorte e a vida de seu amado. Suas orações têm sempre sido atendidas. Amém.
            André passou a corrida inteira tirando coelho de cartola, e se quiser vencer, vai ter que tirar mais um. Eles vêm se aproximando da reta dos boxes e não estão suficientemente próximos para que ele pegue o vácuo e ultrapasse.
            Ao entrar na reta de chegada para completar a ultima volta, o “Bala de Prata” sente a tristeza. Ele não vem junto o bastante para tentar ganhar a posição. O americano vai vencer. Não adiantou pilotar no extremo, levar o carro ao máximo de sua potência. A equipe tinha razão. Não tem jeito. Esta está realmente perdida. Adriana reza. Em meio a seus pensamentos pessimistas a luz. Uma imagem vem a sua mente e ele grita consigo mesmo dentro do cockpit.
                        - Não. Ainda dá. Um piloto já fez isto antes. Eu posso ao menos tentar.
            Existe uma coisa nas corridas de automobilismo que chama-se retardar a freada. É uma manobra usada no fim de uma reta para colar no adversário à frente ganhando potência no carro e buscando o vácuo, mas na Hungria só há uma boa reta para que um piloto execute esta manobra.
            Valence retarda a freada no fim da reta dos boxes e entra no vácuo de Spencer. O americano nem se abala, pois não há onde nem como ser ultrapassado. Ledo engano. Após a curva a direita há uma pequena reta e uma curva para a esquerda, como se fosse uma chicane. A manobra surpreende não só ao líder da prova, mas também a torcida. André sai da primeira curva a direita colado em Spencer, ameaça botar pela direita dele e volta para a esquerda ao ter a porta fechada e executa uma ultrapassagem magnífica. Foi esta a luz que André teve. Ele lembrou-se de ter visto esta cena numa antiga fita VHS do acervo de seu pai. Nos anos noventa, o mais espetacular piloto da história, com seu capacete amarelo dentro de um carro vermelho e branco concluiu esta manobra não apenas uma, mas duas vezes no mesmo trecho. Seu nome? Ayrton Senna do Brasil.
            A torcida vai ao delírio. Dentro dos boxes os mecânicos de André pulam e vibram. A bela Adriana abraça o pai de André, o senhor Renato. Na pista André passa por Michael e vai embora. O norte americano ainda tenta acompanhar, mas seu carro não estava bem preparado para a parte travada do circuito, sendo assim, o brasileiro assume a liderança na última volta de forma espetacular e vem, curva a curva, chorando dentro de seu cockpit, sabendo que ter feito o máximo nesta corrida deu resultado. Sabendo que ignorando tudo e todos, ele conseguiu. Sua sintonia com seu carro foi espetacularmente decisiva. A imagem de seu ídolo maior vem a sua mente balançando a cabeça positivamente para ele.
            Ultimas curvas. Últimos metros. André guia agora na ponta dos dedos, como diria Galvão Bueno. Última curva. Reta de chegada. Reta da vitória. Vai receber a bandeirada. Vem para vencer e ganhar sua vaga na Fórmula-1. Ganhar não, conquistar. André Valence cruza a linha de chegada e vibra muito. Sua namorada e seu pai vibram com ele.
            No pódio, a festa da vitória é completa. André recebe um abraço de Spencer. Apesar de ter perdido o campeonato de GP2 e a vaga de piloto titular para Valence, o americano se mostra bastante feliz. Descrever a felicidade do brasileiro nem se faz necessário. Para completar a festa verde e amarela, o pódio é completado por Marcelo Guardião, o companheiro de equipe do campeão.
            Três dias depois, na sede da equipe Mclaren, o brasileiro André Valence se apresenta para assinar o tão sonhado contrato com a escuderia. Para sua surpresa ele não encontra Spencer e sim seu amigo Marcelo.
                        - O que faz aqui Marcelo?
                        - Eu recebi uma proposta para assinar como piloto de testes e aceitei.
                        - Ué, e o Spencer?
                        - Não sei. Também achei estranho, pois sei que ele é quem seria o preferido, mas também achei por bem não perguntar nada.
            Neste instante, o celular de André toca. É Spencer.
                        - E aí meu amigo, já assinou o contrato?
                        - Estou assinando e você, desistiu da Mclaren?
                        - Eu assinei com a Ferrari. Serei o segundo piloto ano que vem. Se prepara que vamos brigar muito nas pistas de novo ano que vem.
                        - Para mim será um prazer. Boa sorte, amigo.
                        - Para você também. Um abraço.
            André Valence e Michael Spencer, os dois prodígios da GP2 entrando na Fórmula-1 para disputar a temporada de 2011. Com o talento que possuem a temporada irá pegar fogo. Previsões? Só de espetáculo.
Léo Rodrigues
Enviado por Léo Rodrigues em 24/09/2007
Alterado em 24/09/2007


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