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Memórias de um morto vivo

                         Só escutei o barulho de algo triscando o vento. Rapaz, se não me abaixo, além de ir para os quintos do inferno ou com sorte para o paraíso, até por não ter culpa de minha condição, não teria visto tudo que aconteceu depois.
                         O homem por baixo daquela roupa era uma máquina de lutar, não, uma máquina de matar. A fama de seu nome sempre o precedeu: Furio Archetti, o Campeão de Deus, o Padre Combattenti mais temido e poderoso da face da terra.
                         Eram cinco adversários, até porque eu aproveitei a chance para sair do meio do confronto. Duas Aswangs, uma mistura de vampiro e bruxa, dois meio demônios e Rutrial, um demônio da horda de Belial. Eu pensei logo que Furio não fosse ser capaz de enfrentá-los, mas o homem era realmente o que diziam as histórias. Os dois meio demônios pularam na frente das Aswangs para lhes proteger e permitir que lançassem algum tipo de feitiço ou magia para cima de Furio, mas o Padre não possuia a fama que teinha à toa. Puxando, não sei de onde no meio de suas vestes, dois punhais ele os arremessou na direção das mulheres tão rápido que ninguém no campo de batalha teve reação para evitar e as duas tombaram antes mesmo que pudessem entrar no confronto.
                         Sem perder o foco e aproveitando a vantagem ele partiu para cima dos dois meio demônios à sua frente. Ele precisava acabar rápido com os, teoricamente, mais fracos para enfrentar Rutrial. Alash e Antioh atacaram juntos o padre. A tentativa foi muito boa e quase surtiu efeito. Num primeiro momento Furio se defendeu de todos os ataques, e olha que eram ataques que eu sequer conseguia ver as mãos dotadas de garras dos caras, mas o Padre não perdia um movimento e os rechaçava como podia. Rutrial estava de fora observando a luta. Na verdade ele estava invocando forças do inferno, mas nem eu nem ninguém ali poderia imaginar, talvez Furio por sua experiência soubesse o que estava acontecendo.
                         O combate parecia pender para o lado dos maus. Os dois meio demônios estavam encurralando Furio contra o paredão de pedra da muralha do castelo abandonado do conde Marc Richter. Vendo certa vantagem eles começaram a rir da situação em que Furio se encontrava. Realmente qualquer homem, qualquer caçador e até mesmo os Padres Combattenti, estando cercados como ele estava se tornariam alvos fáceis e pereceriam em pouco tempo. Mas ele era Furio, e ninguém nunca deveria achar que estava em vantagem com ele. Como a máquina de matar que ele se tornara ao longo dos anos em sua luta incessante contra o mal ele virou-se de costas para os oponentes, correu em direção ao paredão galgando pequenas fendas e num último impulso saltou por cima dos dois, arremessando durante o salto algumas bolas e caindo atrás deles somente para ver os dois se contorcerem ao serem atingidos pelas bolas que se abriram e revelaram um líquido cristalino em seu interior: água benta.
                         A partir da retomada da vantagem e com os demônios tendo sofrido danos consideráveis provocados pela água benta, o Padre Combattenti resolveu começar a agir. Sacando uma espada longa e uma espécie de adaga, menor que a espada e maior que um punhal, ele começou a arremeter golpes e mais golpes na direção de Alash e Antioh enquanto entoava um cântico. Sua fé começava a se manifestar e entrar na batalha pela força de sua oração. O primeiro a tombar foi Alash. Sem nenhuma pena Furio girou a espada para atingi-lo na cabeça, o demônio esquivou-se para receber o arremesso da adaga em seu coração. O urro inumano quase me ensurdeceu. Antioh teve um segundo de espanto e hesitação que foi fatal também. A espada descreveu um arco para baixo e outro na horizontal e sua cabeça rolou no chão.
                         Foi então que eu percebi que, mesmo Rutrial sendo um demônio poderoso da horda de Belial, nem ele nem ninguém do mundo das trevas, quiçá das profundezas do inferno teria capacidade de vencer aquele homem. Confesso que em um relance eu vi uma aura a recobrir seu corpo, mas foi um instante tão fugaz que penso que me iludi. Rutrial partiu na direção de Furio e ele aparou o primeiro golpe com sua espada e ela quebrou. Pensei, este homem não vai encarar o demônio com as próprias mãos, irá? Pois encarou. A cada golpe de Rutrial, Furio esquivava e o acertava com socos e chutes para afastá-lo e ganhar espaço. Pensar que ele poderia rivalizar com um demônio sem uma arma também seria superestimar a capacidade humana. Aí também é algo que não dá para conceber. Só que Deus nunca abandona seus filhos. Eu sou testemunha de que Deus faz milagres.
                         Uma espada caiu do céu entre Furio e Rutrial e fincou-se no chão fazendo a terra tremer sob os pés do demônio. Quando olhei para o céu na direção de onde veio a espada havia um anjo, isso mesmo, um anjo olhando a contenda. Talvez naquela batalha o anjo não pudesse se meter, mas ele pode dar uma ajuda. Furio também olhou para o anjo, acenou rapidamente e empunhou sua espada. Ela refulgiu em sua mão e eu tive a certeza sobre o que vira antes. Ele realmente tinha uma aura a recobrir seu corpo e agora ela se pronunciava com força. O demônio tremeu e Furio fez o trabalho para o qual Deus criou sua existência. Em poucos minutos deu fim a essência maligna do demônio Rutrial. Não o exorcizou, como muitos Padres o teriam feito, ele realmente aniquilou a essência do monstro e o que me chamou mais a atenção é que não foi com a espada do anjo, mas sim com a força de suas palavras no latim que aprendera quando de sua ordenação como Padre. Olhei para o alto de novo e vi novamente o anjo, e até ele se espantou com a força da fé daquele homem. Ao longo de minha vida longeva nunca conheci um Padre Combattenti que tivesse conseguido aniquilar a essência de um demônio da ordem de Rutrial com a força de sua fé. Exorcizar sim, aniquilar nunca.
                         Mas ele era Furio Archetti, a lenda que caminhou nesta terra pela idade média defendendo as pessoas da influência maligna de Lúcifer.
                                   - Bem, esta é uma das histórias que vivenciei ao longo de minha existência, Luciano. Algo que faz parte de minhas memórias.
                                   - Você disse no início que quase morreu. Quem o iria matar?
                                   - O próprio Furio tentou me acertar, mas ele viu que eu não era um problema. Nunca fui.
                                   - Mas outros Padres Combattenti poderiam tê-lo caçado. Porque não o fariam?
                                   - Porque ele salvou a vida de um caçador amigo de Furio e foi feito um trato. Que aparentemente não foi seguido. Certo, Alphonso?
                                   - Andreas Richter. Veio acertar contas comigo?
                                  
- Ne dépend que de vous, mon ami. (Só depende de você, meu amigo)

 
Léo Rodrigues
Enviado por Léo Rodrigues em 17/07/2012
Alterado em 17/07/2012
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