Um Carnaval para Pedro Archanjo.
O surdo de marcação dá o tom. É chegada a hora. Valdeloir e Aussá se benzem a frente da bateria. Que os Orixás abençoem nossa vermelho e branco. O desfile tem que ser o mais correto possível para fazer valer a beleza das alegorias montadas por Lídio Corró. Desta vez, Pedro Archanjo se superou em suas idéias. Mostrar para o mundo, no carnaval carioca, a influência e a importância das origens africanas na história do povo brasileiro. O enredo, Influências Africanas nos Costumes do Brasil, uma adaptação de seu livro “Influências Africanas nos Costumes da Bahia”, aceito de imediato pela carnavalesca Isabel Teresa, conhecida no carnaval como Zabela e endossado por Lídio, escultor renomado durante oito meses no ano e que nos outros quatro esquece as exposições Brasil afora para se dedicar inteiramente às alegorias, talvez venha a se tornar a mais bela história deste carnaval. O puxador Tadeu, à frente do carro de som, pede a presença do patrono da escola ao microfone. Pedro Archanjo se aproxima e é saudado por Rosa, a rainha da bateria. Damião, o outro puxador, estende o microfone a Archanjo. Sua fala é breve porém carregada de otimismo para o desfile. Ele conclama, ante a sua nação Alvirrubra, a atenção sobre a importância daquele momento. Tudo que foi feito até ali e o que ainda deve ser feito. A bateria vibra mais uma vez. Rosa requebra a frente dela. Pedro, após trazer a emoção de todos a flor da pele, inicia o samba enredo. Tadeu e Damião, este, já com outro microfone, o acompanham. Após uma passagem do samba, Pedro retorna a frente da comissão de frente da escola deixando a interpretação da letra do samba para quem tem “gogó”, enquanto a bateria entra com força total. Começa a ser contada a história que começou a ser montada meses atrás. Em junho do ano anterior, estavam Budião, o mestre-sala da escola, Lídio, Valdeloir, Aussá e Rosa, além de uma série de outras pessoas importantes, como os prefeitos de Rio de Janeiro e Bahia por exemplo, a visitar Pedro Archanjo, a fim de comemorarem mais um prêmio literário conquistado por este mestiço de mente brilhante. Mestiço, como ele mesmo gosta de se definir, que pode ser considerado a peça mais importante na derrocada do preconceito racial, embora mínimo, que ainda existia no Brasil, a época em que suas obras começaram a despontar. Justamente nesta festa, Archanjo, sempre ótimo anfitrião, estava a conversar com Fausto Pena, um jornalista seu amigo, sobre possíveis projetos, quando este lhe perguntou por que ele, Pedro Archanjo, patrono de uma grande escola de samba carioca, não propunha um enredo, já que outros patronos, também o faziam de vez em quando. O estalo foi imediato. Acabara de brotar em sua cabeça a idéia do próximo desfile de sua agremiação. O samba-enredo, composto por Manuel de Praxedes, entoado nas vozes de Tadeu e Damião, levanta as arquibancadas da Marquês de Sapucaí. Com cinco minutos de desfile, a voz dos dois puxadores já está abafada pela vibração da galera que assiste a tudo de forma bastante entusiasmada. Cada setor da escola apresenta uma história interessante e diferente sobre o tema proposto. O primeiro setor, composto, principalmente, pela comissão de frente e pelo carro Abre-Alas, mostra a chegada dos negros, oriundos da África, ao Brasil. Quinze homens, compondo a comissão de frente, representam os navegadores e apresentam o carro Abra-Alas, que representa um navio, mas não um navio negreiro, onde os negros remavam a base de chicotadas, mas sim um navio onde o capitão é Zumbi dos Palmares e entre os remadores e marinheiros, brancos e negros se misturam. No segundo setor começa a surgir a cultura trazida pelo povo africano. O candomblé e a capoeira se fazem marcantes nesta parte. O Mestre-Sala, Budião, um exímio capoeirista, se apresenta intercalando os passos característicos ao guardião da Porta-Bandeira a ginga da capoeira, enquanto Sabina dos Anjos, a Porta-Bandeira, evolui também de forma impecável. Ao parar em frente ao Júri, Kirsi, a coreógrafa, faz as honras e apresenta o casal. Após o Mestre-Sala e a Porta-Bandeira, há uma ala formada por capoeiristas que vem gingando ao som do berimbau. A bateria pára de repente. A platéia não. Damião, o segundo puxador resolve inovar e se cala. A torcida acompanha Tadeu sem parar um minuto sequer. O repique faz um solo, os tamborins respondem e tanto Damião quanto a bateria retornam, para delírio do patrono, que parece não conter a alegria com a beleza do desfile. Se a festa é profana, chega o setor que se refere ao candomblé, apresentando seus Orixás, exus e pretos velhos. No alto do quinto carro alegórico está o destaque Pedrito, representando Xangô, o Orixá que rege a escola e a cabeça de Pedro Archanjo. Para quem não sabe, Pedro é nada mais nada menos que Ojuobá, os olhos de Xangô, no candomblé. No camarote da carnavalesca Zabela, os olhos de Majé Bassã, a mãe de santo de Pedro Archanjo, se enchem de lágrimas ao ver a beleza e o luxo da roupa de Xangô. Os últimos setores do desfile fazem alusão as comidas, as roupas e principalmente ao futebol. Afinal de contas, quem é o maior jogador do mundo e atleta do século senão o Rei negro Pelé? O desfile vai chegando ao fim, mas o entusiasmo é o mesmo de quando foi dado o grito de guerra e o desfile começou. Na apoteose, Archanjo vê sua escola terminar sua brilhante viagem pela cultura afro-brasileira, ao som dos gritos de “É campeã, é campeã”, e mais uma vez, em toda a sua célebre vida, tem a certeza de que contribuiu mais um pouquinho, dentro de sua humildade característica, para abrilhantar e enaltecer o que o Brasil tem de mais belo. Suas origens, sua fusão de raças, enfim, sua cultura. Obs: Este texto foi produzido para um concurso literário que teve como temática o livro Tenda dos Milagres de Jorge Amado. O objetivo do concurso era produzir um conto baseado na leitura do livro utilizando inclusive seus personagens. Léo Rodrigues
Enviado por Léo Rodrigues em 25/11/2006
Alterado em 25/11/2006 |