Nunca na vida um Padre Combattenti da Santa Madre Igreja de Roma imaginaria passar por uma situação tão delicada. Nem mesmo Furio Archetti imaginaria. Confrontar um demônio detentor dos conhecimentos mais profundos da igreja. Mas como o diabo conseguiria tal objetivo? Através de uma simples falha cometida, não por Deus em deixar uma pessoa de seu rebanho ir parar nas profundezas do inferno, mas pelo padre, que por um deslize foi arrebatado por Lúcifer para seus domínios. O único meio de impedir que este novo demônio atinja seus objetivos é colocar todas as esperanças nele, o Padre Combattenti conhecido como Braccio di Ferro, Furio Archetti.
“Você não vai passar, demônio.”
“Ah, vou sim, Furio, e você não vai me impedir.”
“Farei o possível, pode crer.”
“Pela força que tem em seu Deus?”
“Sim, pela força que tenho em Deus.”
“Então você está mal servido, Furio. Este Deus que você tanto ama foi o que me desgraçou.”
“Não culpe Deus por seus atos pérfidos.”
“Furio Archetti, eu hoje me chamo Hagaelar. Sabe por quê? Porque o seu Deus me abandonou. Aliás, Furio, parece que as pessoas que Ele abandona e deixa que vão para o inferno morrem nos seus braços. Eu morri combatendo o mal a seu lado, Furio. Um ano atrás, quando ainda era o Padre Combattenti conhecido como Fabrizio Esperanzi.”
Furio não esboça reação, e Hagaelar continua.
“Eu vou te contar o que houve neste ano, Furio, afinal você foi o único que orou por mim, embora não tenha adiantado.”
Um ano antes, numa das batalhas mais arraigadas travadas por Furio Archetti contra a legião de Lúcifer, dos três padres que lutavam lado a lado, dois pereceram: Emilio Alianz e Fabrizio Esperanzi. Para sorte e honra da igreja, Furio Archetti conseguiu impedir os demônios enviando-os de volta às profundezas. Na ocasião, achava Furio que seus dois companheiros haviam seguido seu caminho rumo ao lar ao lado de Deus. Assim se deu com Emilio, mas Fabrizio foi tragado para as profundezas. Para sua incredulidade, ele acordou no inferno tendo o próprio Lúcifer à cabeceira de seu catre.
“O que é isto?”
Ainda mantendo seus reflexos, Fabrizio pula da cama e já se posiciona para enfrentar o mal.
“Por que, antes de pensar em lutar, Hagaelar, você não senta e me escuta?”
“Hagaelar? Não, eu sou Fabrizio.”
“Esperanzi. Um Padre Combattenti a serviço de Deus, blá, blá, blá. Está bem, Fabrizio, vamos jogar do seu jeito. Mas antes me responda uma coisa: quem você pensa que sou?”
“Um demônio. Uma personificação do mal.”
“Até tens razão, mas eu não sou ‘um’ demônio. Eu sou ‘o’ Demônio. Eu sou Lúcifer, o Estrela da Manhã, como era conhecido antes de ser banido para cá. Achas mesmo que terá poder para me enfrentar?”
“Deus…”
“Deus não vai te ouvir. Você está no inferno, padre. Olhe à sua volta e constate.”
Ao olhar em volta, Lúcifer permite que Fabrizio veja onde realmente está. Bem no centro do Inferno, ao lado de um trono de pedra fumegante. Por todo lado, almas de pessoas sofrendo, sendo castigadas. Algumas enterradas em lama até o pescoço, outras sem cabeça vagando sem rumo, demônios executando torturas. Ele entende que não é um sonho, muito menos uma armação do rei dos mentirosos, e lágrimas começam a rolar por sua face.
“Meu Deus, por quê?”
“Porque, Hagaelar? Porque Ele é um brincalhão. Ele é uma criança que brinca com vocês.”
“Não. Eu tinha um propósito. Eu acreditava. Eu acreditei até meu último momento.”
“E mesmo assim veio parar aqui. E sabe por quê? Porque você fez apenas uma coisinha que Ele não gostou.”
“Não, Ele não é assim. Você quer me enganar.”
“Ah, Fabrizio, eu não me daria a esse trabalho.”
“Eu nunca cometi nenhum pecado.”
“Não? Você nunca revelou um segredo de confissão?”
A angústia toma conta do rosto do padre.
“Vejo que se lembra. A mulher do lenhador está entre nós, sabia?”
“Olá, Padre Fabrizio. Eu me confessei buscando perdão. E o que recebi de vós? A fogueira.”
“Mas ela era uma bruxa, tua adoradora.”
“Concordo, padre. Ela era. E você fez o correto. Mas para Deus, aquela criança grande, você violou a sagração da confissão. E por isso está aqui.”
“Não. Eu fiz isso por acreditar n’Ele.”
“Eu estou com você, Fabrizio.”
“Uma criança grande.”
O padre senta-se novamente e chora copiosamente.
“Você pode se tornar um de meus guerreiros, Hagaelar.”
“Por que me chama assim?”
“Este será seu nome se aceitar minha oferta.”
“Você pode mudar isso, padre.”
“Posso? Como?”
“Aceite-me como seu mestre.”
“Quero.”
“Então a tenha. Vai ser meu arauto, Hagaelar?”
“Sim. Está na hora de Deus se responsabilizar por tudo que tem feito.”
“Muito bem, meu arauto.”
Pela força de Lúcifer, Fabrizio renasce como o demônio Hagaelar e inicia seus feitos na Terra.
“E assim, Furio Archetti, aqui estamos.”
“E eu nasci e fui abençoado por Deus para lutar contra o seu lorde do mal.”
“Então vamos lutar, meu amigo. Até a morte.”
“Até a morte.”