Andarilho. Um velho andarilho. Quem observa de longe aquele homem quase maltrapilho caminhando pelas estradas da Europa, atravessando florestas perigosas à noite, entrando em pequenas vilas dominadas pelos seres das trevas, entre outras situações, sem um olhar mais minucioso, nunca imaginaria se tratar da maior lenda da Igreja Católica: Furio Archetti.
Em sua eterna busca trabalhando pelas forças de Deus, caçando o demônio Lilith com o objetivo de impedi-la de concluir seu plano maquiavélico de trazer seu consorte, Lúcifer, para a Terra, Furio chega a uma pequena e simples vila nas cercanias de onde hoje se encontra a cidade de Nápoles, na Itália.
Logo na entrada da vila, ele observa uma pequena igreja, em que um velho padre, um vigário de Cristo como ele fora em sua ordenação antes de tornar-se Combattenti, encontra-se despretensiosamente varrendo sua frente. Para os olhares dos simples moradores da vila, o velho padre está cumprindo sua rotina diária de manter limpa a frente de sua igreja. Para o olhar treinado de Furio, cuja percepção vai muito além do que se imagina, o velho padre não está apenas varrendo; ele está, sim, observando tudo ao redor, verificando o ambiente.
Furio se aproxima devagar do velho padre e o cumprimenta.
“Bom dia, meu bom irmão.”
“Bom dia. De passagem?”
“Sim, meu irmão. Posso contar com sua benevolência para passar a noite convosco na igreja?”
“Não haveria como. Sinto muito. A casa em que moro é tão pequena quanto a igreja que Nosso Senhor deu-me a incumbência de pastorear.”
“O irmão está me dizendo que não teria um pequeno espaço para que um padre como tu pudesse descansar os ossos por uma noite ou duas?”
“Sinto muito. Sinto mesmo, mas infelizmente o espaço já é pequeno demais para mim, meu amigo.”
“Entendo. O nobre padre me negaria um prato de comida também?”
“Irmão, como lhe disse, e lhe digo com pesar, minhas provisões são também escassas. Poderia o amigo seguir pela estrada até a próxima vila. Não levaria mais que duas horas de caminhada. E tu com certeza encontrarás lá uma igreja maior que a minha e um padre em melhor condição de atendê-lo do que eu.”
“Eu entendo. Farei o que me orienta. Foi um prazer conhecer-te, nobre amigo.”
Furio segue em frente, obviamente sabendo que há algo muito, muito errado com o padre. Ele olha para trás e acena para o velho padre, que sequer retribui o cumprimento, recolhendo-se rapidamente ao interior da igreja. Furio caminha um pouco mais pela vila, sai para a floresta e retorna dando a volta, a fim de investigar a conduta estranha do velho padre. Ele se aproxima dos fundos da casa e, esgueirando-se, posiciona-se abaixo da janela do velho casebre.
“Fique tranquilo. Vou cuidar para que ninguém saiba que estais aqui.”
“Eu agradeço, padre. O que eu menos preciso neste momento é ser emboscado enquanto me encontro neste estado.”
“No que depender de mim, estais a salvo. Mesmo há pouco tive que negar abrigo e comida a um padre andarilho para poder protegê-lo de possíveis perguntas. Estes padres que costumam caminhar levando o evangelho de Nosso Senhor pelas estradas costumam ser muito curiosos.”
“A curiosidade seria o de menos, padre Lorenzo. Se vierem atrás de mim, já estará o senhor em perigo, o que não me agrada. E ter outro padre também aqui correndo perigo por minha causa doeria em demasia em minha consciência.”
“Deveria ter pensado nisso antes de refugiar-se aqui.”
A voz surge dentro da casa.
“Furio.”
“Como vai, caçador? Pelo visto, nada bem.”
“Você é Furio? Furio Archetti, o braço de ferro?”
“Com a graça de Nosso Senhor, padre Lorenzo. Vejo que não se trata de um padre mesquinho como fizeste parecer. Estava apenas protegendo este meu velho amigo. No que andou se metendo, Richter?”
“No de sempre, Furio. Caçando.”
“Pelo visto, caçando algo que não conseguiste enfrentar. De novo.”
“Não. Acabei sendo emboscado. Estava caçando um ghoul. Quando resolvi que já era hora de atacá-lo, percebi meu erro muito tarde. A emboscada só não foi fatal porque Sarator deu-me isto.”
Ele mostra uma pedra a Furio.
“Ah, sim. Uma pedra de fogo. Muito útil. Mas você sabe como são os ghouls. Eles virão atrás de ti. Quanto tempo de caminhada você conseguiu impor sobre eles?”
“Pelos meus cálculos, eles já deveriam ter me achado. Ainda mais sabendo que estou ferido.”
“Então Deus olhou por você novamente, caçador, fazendo com que nossos caminhos se cruzassem. Vamos preparar nossas defesas para enfrentá-los juntos.”
“Como posso ajudá-los, padre Furio?”
“Pegando um cavalo e se refugiando em algum lugar, Lorenzo. Ghouls são muito perigosos. E nenhum de nós dois poderá perder o foco na batalha para proteger-te.”
“Eu prometi cuidar deste homem, Furio.”
“E cuidou. E agora deixe que ele retribua seu favor impedindo que os ghouls ataquem o povo de sua vila. Avise a todos que se tranquem em suas casas e desenhem este símbolo em suas portas.”
Furio entrega um pano a Lorenzo.
“E não saiam, haja o que houver. E os oriente a fazer um pedido em suas orações.”
“Qual pedido?”
“Que Deus nos ajude a derrotar os ghouls, porque se eles nos vencerem, nada os impedirá de comer a todos na vila.”
À noite, cinco homens chegam à vila pelo lado oposto à igreja. Eles olham ao redor, percebendo que cada casa tem um desenho pintado em sua porta. O mais velho deles sabe exatamente o significado da runa e pragueja uma maldição.
“O que foi, Enrico?”
“O caçador. Vêem estas runas? São selos que nos impedem de entrar nas casas.”
“Você acha que ele está refugiado em alguma delas?”
“É possível, Gregório, mas não sinto seu cheiro por aqui.”
“Eu também não. Vamos seguir o rastro.”
Seguindo o cheiro de Andreas Richter, os cinco ghouls chegam à pequena igreja.
“Ele está aqui.”
“Podemos entrar na igreja?”
“Não somos vampiros, idiota. Claro que podemos.”
“Então vamos invadir logo e matar o desgraçado. Não vejo nenhum selo que nos impeça de entrar.”
“Isso é muito estranho. Todas as casas seladas e logo a igreja onde ele se refugia não tem nada que nos impeça de entrar?”
“Que diferença faz? Vamos invadir a igreja e acabar logo com ele.”
Gregório invade a igreja. A lâmina da espada atravessa seu pescoço tão rápido que o corpo ainda dá mais dois passos antes de tombar sem cabeça.
“Maldição. François, August.”
Enrico sinaliza para que os dois entrem na igreja, enquanto ele e o outro ghoul dão a volta para tentar pegar o caçador pela retaguarda.
Enquanto Enrico e o outro ghoul correm para os fundos, os dois primeiros se aproximam cautelosamente da entrada da igreja. Atentos a qualquer ruído e andando devagar, atravessam o umbral da porta destruído por Gregório e só não são decapitados por estarem atentos. Ambos rolam para o interior da igreja, passando por baixo da espada de Richter.
“Agora você morre, caçador.”
“Tão tolos.”
Furio levanta-se por trás dos bancos da igreja.
Antes mesmo que possam perceber a emboscada, os dois ghouls recebem primeiro um banho de óleo como cortesia de Furio e, em seguida, Richter arremessa no chão, a seus pés, a pedra de fogo que lhe sobrara. A combustão é imediata e, tão rápido quanto começou, o fogo termina, reduzindo os ghouls a meras cinzas.
“Você precisa me ensinar a fazer isso, Furio.”
“Depois. Ainda faltam… correção, faltavam dois.”
O som de galope de cavalos e gritos desesperados ecoa ao longe.
“É, parece que eles não eram tão valentes afinal, Furio.”
“Você ainda é um bom rastreador, Richter?”
“Muito. Por quê?”
Ele pergunta ironicamente, já sabendo o que se passa na cabeça do Padre Combattenti.
“Porque assim que você estiver inteiro, vamos fazer o que fazemos melhor.”
“Caçar.”