França. Idade Média. Nunca uma criatura das trevas teve medo de um simples ser humano, até agora. O Conde Marc Richter iniciou este ciclo de terror às criaturas das trevas ao engajar na luta contra elas. O único problema de um ser humano contra elas é que sua longevidade não é tamanha como a dos próprios malditos seres das trevas.
Em mais uma caçada sangrenta, o Conde Richter tem a seu lado, desta vez, seu primogênito, Andreas Richter, um homem tão ou mais mortal que seu pai nesta luta sinistra. A batalha é travada na Floresta da Perdição. O lobisomem Nöel e sua companheira Millie tentam uma fuga desesperada dos caçadores humanos, adentrando mais e mais fundo na floresta.
“Temos que parar, filho. Esta floresta esconde segredos mais perigosos que estes malditos.”
“Eles temem mais a morte do que a floresta, pai, e eu não temo nenhum deles. Eu vou entrar.”
“É muito perigoso.”
“Perigoso é deixá-los vivos depois de uma batalha tão árdua. Fique aqui, meu pai. Eu vou.”
“Não, filho, espere…”
Andreas invade a floresta atrás dos dois lobisomens. O rapaz tem muita coragem e pouco senso. Seu pai, o Conde Marc, sabe que ele ainda é muito jovem para enfrentar dois lobisomens sozinho e o que mais a floresta tiver a oferecer, mas ele já não é tão moço também.
A encruzilhada o martiriza: esperar o reforço dos caçadores, que pelo tempo já se aproximam, ou entrar na floresta junto com seu filho e enfrentar tudo, os lobisomens e a floresta? Se for para morrer, que seja ao lado de meu filho. É com este pensamento que o Conde Marc Richter entra na floresta e passa a correr lado a lado com seu filho para o mais profundo da Floresta da Perdição, atrás dos monstros.
À frente, os dois lobisomens, bastante feridos, tentam despistar seus perseguidores. Mas é muito difícil despistar deixando um rastro de sangue extenso por onde passam. As pontas das lanças de prata, ainda fincadas em seus corpos, impedem a regeneração. A dor lancinante só não é maior que a determinação de salvar suas vidas.
“Malditos caçadores. Eles não querem saber que não caçamos humanos. Só querem saber o que somos.”
“E o que você esperava, Millie? A inquisição é assim mesmo. Tudo que é diferente tem que ser destruído, mesmo que se apresente como algo inofensivo. Mesmo que não faça mal a ninguém. Seu maior mal é existir.”
“O que vamos fazer, Nöel?”
“Vamos para a casa de Marie.”
“Quem é Marie?”
“Uma bruxa. Ela poderá nos ajudar.”
Correndo como podem, Nöel guia Millie em direção à casa da bruxa Marie Delacour.
Da soleira da porta, a bruxa avista as duas criaturas e, além de reconhecer Nöel, percebe que nada vai bem.
“O que o traz aqui, Nöel?”
“Não é meio óbvio, Marie? Precisamos de sua ajuda.”
“Contra os caçadores que os perseguem?”
“Não. Dos caçadores eu dou conta. Preciso que você proteja Millie.”
“Não, Nöel. Eu sou dispensável. Antoine não me teme, mas teme a você. Por favor, bruxa, proteja Nöel. Eu enfrento os caçadores.”
“Está louca, Millie? Eles vão estraçalhar você.”
“Decidam logo. Um deles já está a um lançamento de distância.”
Numa atitude desesperada, Millie entra por baixo de Nöel e o arremessa para dentro da cabana da bruxa.
“Cuide para que ele viva, bruxa.”
A jovem lobisomem então se vira e corre na direção dos caçadores enquanto Marie recita encantamentos de proteção sobre si e sobre o lobisomem Nöel.
“Não devia ter feito isto, bruxa.”
“Quer um conselho, Nöel? Viva para que o sacrifício desta mulher que te ama tanto não seja em vão.”
Como dissera Marie Delacour, a distância dos caçadores era mesmo de um lançamento. A lança de prata de Andreas vence o espaço que os separa numa velocidade que impede que Millie possa desviar. A arma argêntea se crava em sua pata traseira. O objetivo do caçador não era matá-la, mas sim deixá-la à sua mercê. O lobisomem urra de dor e cai no chão. Os ferimentos já eram extensos e agora, com a lança cravada em sua pata, não há muito mais o que fazer.
Pai e filho se aproximam com cautela. Andreas observa com raro interesse o focinho do animal e percebe que uma lágrima furtiva escorre por ele.
“Cuidado, Andreas. Estes animais são ardilosos.”
“Eu sei, meu pai. Está tudo sob controle.”
Andreas continua caminhando na direção de Millie e sente o ar movimentar-se à sua esquerda. Apenas a lança de seu pai cruza o espaço vazio para cravar-se no peito do lobisomem. Ao mesmo tempo, o urro de Nöel e o grito de Andreas varrem o silêncio da floresta. Na casa da bruxa, Marie utiliza sua magia para impedir que Nöel saia de sua proteção e encontre também a morte.
“Por que, pai?”
“Porque este animal é perigoso.”
“Eu queria chegar mais perto para tentar entender. É como se os dois tivessem uma ligação afetiva, pai. Este aqui jogou o outro para dentro daquela casa e veio em nossa direção. Ele chorou ao ser atingido.”
“Lágrimas de uma besta. Não se engane, Andreas.”
“Muito bem.”
Andreas arranca sua lança da pata de Millie e caminha na direção da casa.
“O que vai fazer, Andreas?”
“Entender.”
Enquanto caminha na direção da casa, o rapaz percebe a bela bruxa iniciar novos movimentos com as mãos. Ele ergue seu escudo, benzido pelo bispo, na intenção de proteger-se do mal que pode acometê-lo. E então ele ouve a voz em sua cabeça.
“Acha que isso é suficiente para protegê-lo, jovem mortal?”
“Saia de minha cabeça, pérfida criatura. Você não conseguirá deter-me.”
“Se eu quisesse matá-lo, já o teria feito.”
“Então não se esconda. Apareça diante de mim.”
“E para quê? Nada poderá fazer contra mim.”
“Quero que veja a face de quem vai destruí-la num futuro próximo, criatura.”
“Pare de me chamar de criatura. Eu sou uma mulher, seu fedelho insolente.”
“Você é a mulher do cão.”
“Este é o problema. Tudo que aparece nesta terra e é diferente do que vocês acham normal é logo associado ao demônio. Então, olhe para mim, fedelho, e diga se eu realmente pareço a mulher do diabo.”
A bela Marie abre a porta e se mostra ao jovem Richter. Este é o ponto que muda todo o futuro desta história.
“Deus do céu… Ela… você… é a encarnação de uma deusa.” – amor à primeira vista.
“Mudou sua ideia, rapaz? Nunca mais em sua vida julgue alguém por ser diferente. E agora, saia das minhas terras antes que eu resolva realmente fazer-lhe o mal que tanto temes.”
“Nunca nesta vida eu pensaria em fazer-lhe mal. Eu vou agora, sim, mas voltarei.”
“Se voltar, será sua perdição, rapaz.”
“Eu arriscarei.”
O Conde Richter se aproxima do filho e o balança.
“Andreas, Andreas, está enfeitiçado?”
“Não, meu pai. Não mesmo. Vamos embora. Nossa luta aqui está acabada.”
“Desistiu de entrar na casa?”
“É melhor, pai. O animal pode estar esperando para dar um bote e está acuado. Está mais perigoso agora do que antes. Nós podemos e devemos viver para combatê-lo outro dia.”
“Como é? O que aconteceu, filho? O que você viu que eu não vi?”
“Há algo nesta casa, pai, como você disse antes de entrarmos na floresta. Há algo que não vale a pena confrontarmos agora. Vamos embora enquanto ainda podemos. No futuro, nós voltaremos.”
“Que assim seja então.”
Andreas e Marc caminham de volta ao corpo de Millie, que já retornou à forma humana.
“Você tinha razão, Andreas. Tinha algo mesmo. O lobisomem é uma mulher.”
“Até estas criaturas parecem amar, meu pai.”
“O que não muda o que são.”
“Concordo.”
O grupo de caçadores os alcança.
“Milorde. Desculpe o atraso.”
“Não há problema, Demetrius. Pegue o corpo desta mulher e leve-o à praça. Vamos queimá-lo.”
“Por que, milorde?”
“Porque este é o corpo de uma das bestas que estávamos caçando.”
“Sim, senhor.”
“Vamos sair daqui, Andreas.”
“Sim.”
Antes de iniciar o caminho para fora da floresta, Andreas dá uma última olhada na direção da cabana a fim de ver novamente a bruxa. Ela o encara, sabendo o que aconteceu no coração e na mente do jovem — algo que ela também veio a sentir —, e sopra-lhe um beijo. Realmente, a partir de hoje, a história mudou completamente seu rumo.