Crônicas Adolescentes - Patinadoras 6

Ao longo de uma vida, as pessoas sempre procuram desempenhar atividades ou aprender novas habilidades que lhes apeteçam. Como o ser humano é suscetível, positivamente falando, ele modifica suas prioridades ao longo dos tempos de acordo com o rumo que suas vidas vão tomando.

Rafaela é uma excelente patinadora e, junto à atividade esportiva, mantém uma banda na qual é vocalista e guitarrista. A composição da banda é feita por ela, Bianca, a baixista, Stephanie, a tecladista, e Jennifer, a baterista. Todas amigas há anos. Bianca ainda estuda no Instituto Santa Clara, enquanto Stephanie cursa Direito e Jennifer faz Biologia, ambas na UFRJ. Mesmo com atividades intensas em suas áreas, encontram tempo para ensaiar e, de vez em quando, tocar nas festas dos amigos.

Sábado, 14h00. Lucca, Sophia e Bruna chegam à casa de Rafa a fim de participarem da pequena reunião de amigos que a bela patinadora organizou.

Como de praxe, Lucca, conhecido e adorado pela mãe de Rafa, recebe um abraço e um beijo demorados da senhora.

“Ah, meu genro predileto.”

Bruna cora imediatamente, além de ficar fula da vida. Sophia segura sua mão e sussurra para que ela se acalme.

“Tia Inês, é uma pena eu ser seu genro preferido sem ser, mas a Rafa é quase minha irmã.”

“Eu sei disso, meu lindo. Phi, tudo bom, meu amor?”

“Claro, tia Inês.”

“E você, bonitinha, quem é?”

“Esta, tia Inês, é a Bruna, minha namorada.”

“Namorada? Ai, meu Deus, que gafe eu fiz. Bruna, me perdoa. Eu gosto muito do Lu e sempre torci para ele namorar a Rafa, mas eles são apenas amigos. Te magoei?”

“Não, não, dona Inês. Sem problemas.”

“Está bem, querida, desculpa. Vamos entrar, por favor.”

Os três adolescentes entram e seguem direto para o terraço, onde a banda faz ajustes nos instrumentos. Rafaela para o que está fazendo e vem recebê-los.

“Oi, Lu, Phi, Bruna. Fiquem à vontade.”

“Tranquilo, Rafa. Somos de casa, não se preocupe.”

“Cadê o Xande, Rafa? Ele vem?”

“Eu convidei, mas ele não deu certeza.”

“Eu disse a ele que, se quer algo sério com você, Rafa, tem que se comportar direitinho, senão ele vai se entender comigo.”

“Ah, Lu, sempre protetor.”

“É, sempre protetor.” — diz Bruna, irônica.

Percebendo que o clima entre o casalzinho vai pesar, Sophia e Rafaela se afastam em direção às outras patinadoras que acabam de chegar: Yasmim e Amanda.

“O que houve, Bruna?”

“Tirando o que a dona Inês falou? Que, por ela, você já estaria até casado com a Rafa?”

“Rafa é minha irmã, Bruna.”

“Ela é filha do seu pai ou da sua mãe?”

“Que isso? Eu nunca vi você agir assim.”

“Ah, eu não gostei do que a mãe dela falou.”

“Bruna, eu gosto de você. Não ligue para o que ouviu. A tia Inês é um doce. Ela só expressou o desejo dela, que não é o meu nem o da Rafa.”

“Jura?”

“Claro, juro.”

Lucca dá um beijo na testa de Bruna e ela o abraça.

“Fica tranquila, tá?”

A menina apenas assente, com a cabeça encostada no peito do jovem patinador. Envolvidos no clima, agora de paixão, são surpreendidos por Xande, o nadador interessado em Rafaela. Eles rapidamente o cumprimentam e seguem para a mesa onde Sophia já se encontra. A banda vai começar a tocar e Lucca percebe a irmã desligando e escondendo o celular. Ele se aproxima de seu ouvido.

“Falando com quem?”

“Curioso, é? Ninguém especial. Vamos ouvir a banda da Rafa.”

As meninas soltam os primeiros acordes e, quando Rafa entra cantando, Lucca e Sophia se surpreendem ao descobrir que a letra da música é o poema que Lucca dera a Rafaela no meio da semana. A linha musical da banda não é exatamente romântica, mas o arranjo ficou tão bom que o gênero ganhou espaço no repertório das meninas.

Na sequência do ensaio, Xande vai ficando cada vez mais admirado não só com a beleza de Rafa, mas também com seu talento musical. A voz da menina penetra fundo em sua alma e a mensagem de cada música soa como um chamado apaixonado. Se ele já estava enredado pela beleza, agora não há mais como esconder. Lucca lhe dá um leve cutucão com o cotovelo.

“Acorda, mané. Tá de boca aberta há mais de dez minutos.”

“Não tem como, Lucca. Ela não é apenas linda, ela é apaixonante. Canta como uma sereia.”

“Ah, tá. E você quer ser o tritão dela. Não cuida dela com carinho pra você ver o que arruma comigo.”

“Não precisa se preocupar. Vamos ouvi-la.”

“Gente, esta será nossa última música. Nós a compusemos esta semana. Esta é pra você, Lu.”

Se o clima tenso entre Lucca e Bruna estava melhorando, agora desandou de vez. A música fala de um amor quase impossível, numa pegada estilo Evanescence. A letra subjetiva não deixa claro se se trata de um homem e uma mulher. Lucca entende a referência: uma situação passada entre ele e a prima de Rafa, antes de ela se mudar para os Estados Unidos, conhecida apenas por ele, sua irmã e Rafa. Ele não se chateia, mas Bruna nada sabe. Desta vez, a jovem que costuma ficar vermelha de vergonha está vermelha de raiva. Para ela, é como se a música dissesse algo entre Rafa e Lucca. Até Xande, totalmente encantado, franze a testa.

A música termina. Palmas burocráticas quebram o silêncio. Xande é o primeiro a levantar.

“Legal seu ensaio, Rafa, mas está na minha hora. Tenho que estudar. Tchau.”

“Como assim? Eu pensei que…”

“Desculpa, lembrei agora há pouco. Tô indo. Tchau.”

Xande sai sem sequer cumprimentar Rafa, deixando-a atônita. Ao mesmo tempo, Lucca e Bruna discutem acaloradamente perto da escada.

“O que está havendo, Phi?”

“Foi a música, Rafa. Ninguém sabe o que ela quer dizer além de mim, você e Lucca. E eu duvido que ele conte algo para a Bruna. O Xande entendeu tudo errado, como ela.”

“Meu Deus, o que eu fiz?”

“Não esquenta. Com o Xande dá pra contornar. O que me preocupa está ali.” — aponta para Lucca e Bruna.

As duas veem Bruna dar as costas a Lucca. Ele se vira para a irmã, buscando consolo. Sophia o abraça.

“Você não contou para ela, não é?”

“Não. Isso é algo meu.”

“O que você disse a ela?”

“Que, se ela não acredita em mim, não adianta namorar.”

“Ai, Lu, você podia ter sido mais maleável.”

“Você acha mesmo?”

“Não. Ou existe confiança ou não existe nada.”

“Desculpa, Lu. Não foi minha intenção.” — diz Rafa, aproximando-se.

“Não esquenta, Rafinha. Isso acontece. A música é bonita, me lembra coisas, mas numa relação tem que existir confiança.”

“E o que você vai fazer?”

“Não sei. E você? O Alexandre saiu aborrecido.”

“Vou contar a verdade pra ele.”

“Sem problema. Se for para vocês ficarem bem.”

“Minha mãe tem uma ótima receita pra isso.”

“Sorvete?”

“Sim. Vão descendo enquanto falo com as meninas.”

“Tudo bem.”

“E então, Lu, sabe como vai resolver isso?”

“Vou fazer como dizia nosso bisavô: dar tempo ao tempo. Vamos tomar um sorvete com a tia Inês.”

Enquanto os gêmeos descem, Rafa agradece a presença das meninas e convida todas para um sorvete. Amanda, que percebeu o ocorrido entre Lucca e Bruna, enxerga uma brecha. Pode não ser louvável, mas, na guerra e no amor, vale tudo.

Uma das coisas que se aprende ao crescer é que tudo muda rápido. Namoros começam e acabam. Mal-entendidos rompem relações. Temperamentos influenciam decisões. A única certeza é que ninguém tem absoluta convicção do que fazer, muito menos nossos adolescentes. Problemas sempre existirão, e cabe a eles aprenderem qual decisão tomar. A nós, resta aguardar o que virá por aí.

 

Post Views: 6
error: Content is protected !!