Uma das coisas mais interessantes do esporte é a tentativa de superação dos limites, principalmente os limites do corpo. Superar recordes, quebrar marcas, alcançar novos patamares: são essas as motivações que impulsionam cada atleta na busca pela perfeição.
Com as meninas de nossa patinação artística não poderia ser diferente. Sair dos saltos simples e conseguir cravar os saltos duplos, começando pelo Axel, que é de uma volta e meia, é o novo desafio a ser vencido para ter uma boa “bagagem” na disputa de torneios. O campeonato estadual de estreantes é a primeira parada de Bruna, Amanda e Yasmim, sem contar a intenção de Kadu em prepará-las para o estadual quatro meses depois. Pouco tempo para tanta carga. É o ônus de um atleta.
“Vamos lá, pessoal. Todos devidamente aquecidos. Vamos começar com saltos simples para soltar, depois uma sequência de cinco saltos, com mudança de base, e por fim começamos a tentar o Axel, ok? Lu, Phi, Rafa, Matheus e Rogério, sequência com Axel para soltar e depois tentativa de duplos. Cuidado com os pequenos. Vamos.”
Seguindo o cronograma do treinador, todos os atletas começam a atividade. Observando a todos e corrigindo, Kadu vai tentando tirar o máximo do potencial de cada um. Com os atletas principais, o treinador não se preocupa tanto, pois sabe que, além de saberem se cuidar, sua preparação é de seis meses para o estadual, enquanto os demais têm dois meses de preparação para o Estreantes.
Amanda vem numa velocidade de média para baixa, mas crava a sequência de cinco saltos de forma perfeita, enquanto Yasmim vem mais rápida, mas cai no quarto salto.
“Acelera um pouco mais, Amanda. Yasmim, ou você diminui um pouco a velocidade ou segura o corpo com mais força e não deixa o quadril abrir.”
Sophia crava uma sequência perfeita começando com o Axel, configura a saída e emparelha com Amanda.
“Amanda, eu percebi que você acerta os cinco saltos, mas segura na velocidade. Faz o seguinte: acelera e faz três saltos.”
“Mas teu pai disse para fazer cinco, Sophia.”
“Esquece o pai. Ele é ótimo, mas às vezes cobra demais. Faça três com boa velocidade. Pegou confiança, faz quatro. Tenta Salchow, Euler, Flip. Conseguindo, você faz mais um ou dois loops.”
“Essa sequência é difícil.”
“É, mas acho que vai te dar uma ajuda. Vai lá, treina esta.”
Sophia empurra Amanda para que ela recomece a treinar e olha para o pai, que obviamente aprova a ajuda. Ela volta a rodar na quadra e se aproxima de Lucca, que acaba de cravar uma sequência de Axel, Euler, Salchow.
“Lu, dá uma olhada na sequência da Amanda.”
Antes que Lucca veja o que Amanda faz, Yasmim passa em grande velocidade à sua frente num Flip, Euler, Salchow, Mapes e chão. Lucca vai até a menina e a ajuda a se levantar. Bruna vê e se enciúma, pois desde que o treino firme começou Lucca nem chegou perto dela.
“Yasmim, tenta segurar mais teu quadril, ele está abrindo. Outra coisa, você está com muita velocidade de entrada e pouca força para segurar no braço. Ou diminui a velocidade ou dá mais força de braço e mais força para manter o quadril fechado.”
“Como, Lu?”
“Assim.”
Lucca sai de costas puxando boa velocidade e faz a mesma sequência que Yasmim tentara antes. Ele segura bem o quadril e, aproveitando o giro, traz o braço direito como um soco no ar lateralmente para frente do peito e o trava com o braço esquerdo à frente. Flip, Euler, Salchow, Mapes e Loop. Ele configura a saída e se aproxima de Yasmim.
“Viu? Conseguiu pegar o movimento?”
“Eu não tenho tanta força de braço, Lucca.”
“Então compensa no ombro. Joga a força para cima sem fechá-lo. Salta com ele mais encaixado e usa o braço fechado só para equilibrar o giro.”
“Dá certo?”
“Vai dar. Tenta.”
Yasmim segue o conselho e parte para a sequência. Flip, Euler, Salchow, Mapes e um Loop desequilibrado, mas sem ir ao chão.
“Muito bom, Yasmim.”
“Eu consegui, Lucca. Pelo menos não caí.”
“É isso aí. Continua assim que você vai cravar a sequência.”
Sophia se aproxima de Lucca.
“Me ajuda com a Amanda?”
“Ajudo. Cadê ela?”
“Lá.”
Amanda entra na sequência determinada por Sophia. Salchow, Euler, Flip, bem lenta.
“Ela está muito lenta.”
“Pois é. Parece que está com medo. O que fazemos?”
“Vê com o pai.”
“O pai vai mandá-la fazer cinco saltos.”
“Ela não precisa ser veloz, basta cravar os cinco. É Estreante, torneio de quem está começando.”
“Bom, eu vou continuar ajudando a Amanda.”
“Por mim, tudo bem. Vou continuar com minha sequência.”
Lucca se afasta e puxa boa velocidade. Axel, Loop, Double Mapes, Euler, Double Salchow, raspando no freio. Ele ouve o pai gritar.
“Amortece mais no Euler e segura o ombro que abriu.”
Ele sinaliza positivamente e continua treinando. Do outro lado, Sophia abandona seu treino para ajudar Amanda, incentivando sequências de três saltos com boa velocidade: Salchow, Loop, Loop; depois Flip, Loop, Mapes; e Salchow, Euler, Salchow.
O treino segue intenso, com quedas espetaculares de Lucca e Rogério, segurança técnica de Matheus e Rafa e o esforço dos mais novos. Amanda, com atenção redobrada, vai tentando acertar.
De tanto incentivo, Amanda ganha confiança. Nos minutos finais, entra numa sequência mais veloz e crava cinco saltos perfeitos. Mapes, Euler, Salchow, Euler, Flip. Aplausos gerais e um grito de Kadu.
“Formidável. Parabéns pela dedicação, Amanda. Uma ótima recompensa.”
Kadu lança um beijo significativo para Sophia.
“Crianças, vamos para a última etapa de hoje. Todos fora da quadra. Vou chamar cada um para fazer uma sequência. Lucca: Axel, Euler, Salchow, Euler, Double Flip.”
“Hein?”
“Vai.”
Lucca executa a sequência e cai em uma volta e meia no Double Flip, completando a meia volta restante no chão. Fica insatisfeito, mas ouve o pai vibrar.
“Sophia: Axel, Double Mapes, Loop, Double Mapes.”
Ela crava tudo perfeitamente.
Um a um, Kadu passa as sequências, até chegar a Amanda.
“Sua vez, Amanda. Quero Flip, Euler, Flip, Euler, Salchow, Loop.”
“Seis?”
“Isso mesmo. Seis. Você consegue.”
Sophia se aproxima.
“Vai lá. O pai acredita em você. Você consegue.”
Amanda parte e completa a sequência, os dois últimos saltos corrigidos no chão, mas sem cair. Aplausos gerais. As meninas a abraçam. O medo foi vencido.
Etapas existem para serem superadas. Hoje, Amanda venceu o próprio limite. Vencer o corpo e educar a mente é o que move o esporte. Perseverança é o caminho. A nós, resta torcer. Querer move, tentar impulsiona, conseguir premia. E a crença de que todas alcançarão seus objetivos adoça nossa expectativa, por mais difícil que seja a caminhada.
.