Aula de vídeo game.

“Tu vai morrer.”
“Quem vai morrer?”
“Você.”

Na tela do computador, o bichinho comedor de pastilhas controlado por Shirley morre ao ser cercado pelos fantasminhas.

“Ah, amor, você me secou…”
“Sequei não, amor. Olha, vou te ensinar a jogar. Primeiro, não olha pro teclado pra não perder tempo. Segundo, olha aqui. Quantos dedos eu estou usando?”
“Todos.”

André ri.

“Não, amor. Três são suficientes. O indicador, o médio e o anelar.”
“Tá, e agora?”
“Agora você observa o que eu vou fazer e tenta imitar. Olha só.”
“Tá.”

André recomeça o joguinho e Shirley presta atenção ao que o rapaz vai fazendo ao longo das fases. Nos momentos em que parece que André irá perder, a jovem solta alguns gritinhos bem em seu ouvido, devido à proximidade dos dois e, mesmo com certo incômodo, o rapaz apenas sorri para sua amada esposa e lhe pede para se acalmar, que ele não irá perder.

“Tá aprendendo, amor?”
“Estou sim. Aprendendo que você é bom em tudo que faz.”
“Você é suspeita para falar isso, hein?”
“Hum, sou é?”

Shirley dá um beijinho no pescoço de André.

“Não começa. A casa tá bagunçada, temos que arrumar. Você se deixou enredar pelo joguinho e agora eu também tô aqui. Não vamos pensar em outra coisa.”
“Ah, vai dizer que você não tava doido pra jogar? Se não estava, por que ligou o computador?”
“Porque eu queria passar o novo capítulo que escrevi ontem à noite para o computador, lembra? Você me obrigou a desligar o computador e eu tive que escrever à mão.”
“Você tem que parar de forçar a vista.”
“Hum, eu sei. Obrigado por cuidar de mim. Assume aqui. Acho que você consegue agora.”
“Me ajuda?”
“Ajudo. Vamos lá.”

Shirley assume o controle dos teclados e volta a comandar as ações do bichinho.

“Isso aí. Assim mesmo. Desce. Vai, isso. Pra esquerda agora, vai.”
“Ai.”

O grito, estridente, ensurdece André novamente. O rapaz sorri para sua esposa.

“Você pode se acalmar? É só um jogo.”
“Eu sei, mas eu fico nervosa.”
“Tá bom. Quando eu falar o que fazer, tenta seguir pra não morrer.”
“Ah, amor, eu não consigo jogar tão rápido como você.”
“Tá faltando velocidade de raciocínio.”
“Tá dizendo que eu sou lentinha?”
“Não. O problema é pegar o jeito do jogo. Pegando o jeito, você compatibiliza teu raciocínio com ele e pronto, não perde mais.”
“Compatibiliza? Dá pra falar de forma mais simples? Você não está na sala da faculdade com os alunos que adoram te ver falando difícil. Principalmente aquelas meninas todas dadas.”
“Ah, tá com ciúme das minhas alunas?”
“Não. Até porque eu confio em você.”
“Pra esquerda!”
“Que?”

Mais uma vez o bichinho de Shirley é cercado e morre.

“Ah, perdi de novo.”
“Viu? Fica falando das minhas alunas e esquece do jogo. Assim tu não bate meu recorde.”
“Eu nem tenho essa pretensão.”
“E por que não?”
“Porque você é muito melhor que eu.”
“Negativo. Só jogo há mais tempo. E com certeza, se você começar a se dedicar, vai jogar melhor.”
“Vai me dar umas aulas?”
“Se você quiser, sim, amor.”
“Particulares?”
“Lá vem você de novo.”
“Ah, amor. Cê tá uma pilha. Eu que sempre cobro a limpeza e a arrumação da casa não tô reclamando.”
“Não tá agora. Mais tarde vai ficar no meu ouvido: ‘tá vendo, ficou o dia todo jogando, agora o banheiro tá fedorento, a casa tá suja, os móveis tão cheios de pó’, igual uma velha.”
“Eu pareço uma velha, é?”
“Quando começa a reclamar? Parece.”
“Ah.”

Shirley faz cara de criança mimada e emburra o rosto.

“Ah, amor, não é pra tanto.”
“Ah, não? Você diz que eu pareço uma velha reclamando.”
“Eu tô brincando, amor. Você sabe que eu não penso isso de você.”
“Hum. Magoou.”
“He he he. Magoa não. Vamos. Vamos continuar a arrumar a casa e depois eu continuo a aula de videogame.”
“Promete? Vou cobrar.”
“Eu também vou. Ou você acha que a aula vai ser de graça?”
“Hum, e como eu vou ter que pagar?”

Ele faz uma cara de desejo para ela.

“Deixa de ser danadinho.”
“Ué, quem é que tava me instigando agora há pouco?”
“Hum, se você me ajudar a arrumar a casa sem escamar e depois me der uma aula desse joguinho tipo aula show, eu penso em pagar de uma forma bem legal.”
“A casa hoje fica um brinco e depois eu vou te ensinar tudo que sei a respeito de todos os jogos que tem neste computador.”
“Vai ser um aulão, é?”
“É, aulaço. Vamos.”
“Hum. Já estou ansiosa.”
“Eu também. Por onde vamos começar?”
“Que tal pelo quarto?”

Ele olha sério para ela.

“Tô vendo que a faxina e a aula vão ficar pra amanhã.”

Ela ri e o puxa pelo braço para começar a limpeza pelo quarto. Será que hoje ainda haverá tempo para a tal aula de videogame?

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