Hotel Macabro!!!

A vida de um ator é muito complexa e cheia de desafios. Além da complexidade e dos desafios, tem atrelada a ela a eterna dúvida sobre conseguir ou não alcançar o objetivo de se tornar um ator de ponta ou, pelo menos, conseguir se sustentar com a profissão. Nesse meio, os namorados Otávio e Carla passam por um momento complicado em suas carreiras. Carla foi chamada para um teste numa minissérie, uma pequena ponta, e Otávio não vê um script há três meses.

Folheando o jornal, Otávio se depara com uma oferta de emprego incomum. Um anúncio sobre um filme que será rodado no interior do Rio de Janeiro e precisa de um casal para o papel principal. O anúncio informa claramente que não adianta aparecer uma moça sem um rapaz ou um rapaz sem uma moça: a necessidade é de um casal, e os diretores não querem entrevistar ninguém sozinho, somente os casais. Inusitado e excêntrico, mas quem disse que diretor de cinema não é excêntrico? A maioria deles é. Empolgado com o anúncio, Otávio chama Carla.

“Amor, encontrei um emprego para nós dois, vem cá.”

“Do que você está falando, Otávio?”, diz a jovem entrando na sala.

“Encontrei no jornal o anúncio de um filme no interior do Rio. Eles querem um casal para protagonizar um filme.”

“E desde quando diretores colocam anúncio em jornal querendo atores? Se liga, Otávio, isso deve ser alguma pegadinha.”

“Eu não acho, amor. Vamos lá fazer o teste.”

“De jeito nenhum. Eu estou indo fazer o teste para a minissérie e não vou perdê-lo por causa de uma pegadinha de jornal. Sem chance. E eu acho que você devia esquecer esse anúncio também e ligar pro teu agente. De repente ele arrumou alguma coisa. Tô saindo, amor.”

Carla dá um beijo em Otávio e sai. Dentro de casa, ele fica pensando no anúncio do filme com a certeza de que é um sinal de que sua vida vai mudar, mas como é que ele vai fazer o teste se Carla não quis? É quando ele lembra de Tatiana, seu ex-affair, que faz qualquer coisa por um papel no cinema, teatro ou televisão. Ele liga para ela.

“Tati, meu amor, tudo bem?”

“Otávio, meu gostoso. Lembrou que eu existo?”

“Se liga, gata. Tenho um teste para um filme no interior do Rio, lá em Vassouras, mas o teste é para casal. Topa?”

“A lambisgoia da Carla não quis ir contigo, é?”

“Não fala assim dela. Tá a fim ou não?”

“Claro, gostoso. Passa aqui e me pega para a gente ir.”

“Tô indo pra aí.”

Assim sendo, Otávio pega Tatiana em sua casa e ruma para Vassouras pela Rodovia Presidente Dutra. Duas horas e meia de viagem depois, eles chegam à cidadezinha do interior do Rio de Janeiro e logo se informam sobre onde fica o hotel do anúncio. Mais trinta minutos de viagem numa estrada de terra e eles chegam a um hotel quase caindo aos pedaços.

“Que lugar, hein? Será que o filme é de terror?”

“É provável, gata. Vamos ver se o pessoal do teste está aí.”

“Será que não é pegadinha, Otávio?”

“A Carla disse a mesma coisa. Será que sempre que sou eu que arrumo os testes todo mundo bota defeito?”

“Tá bom, gato. Não está mais aqui quem falou. Vamos ver isso.”

Descendo do carro, o casal caminha até a porta do velho hotel e é surpreendido quando a porta se abre para eles e um homem calvo, aparentando quarenta anos, um metro e oitenta de altura, se apresenta.

“Boa tarde.”

“Opa, boa tarde, senhor. Nós viemos pelo anúncio do filme.”

“Ah, que ótimo. Entrem, eu vou lhes mostrar o script. A propósito, meu nome é Lauro. Não reparem o silêncio, eu liberei o pessoal para dar um passeio na cidade hoje.”

“Já apareceu muita gente para o teste?”

“Rapaz, mais de vinte casais, mas nenhum deles me convenceu ainda.”

“É? Por quê?”

“Falta tesão.”

“Ah, Lauro, tesão é o que não vai faltar entre nós, não é, Otávio?”

Lauro sorri com o comentário de Tatiana e lhes entrega o script para uma lida rápida.

“Hotel Macabro? É terror?”

“Na verdade, é um suspense. Fala de um casal, que podem ser vocês, que se hospeda num hotel de beira de estrada, este hotel. Conforme o tempo passa, eles percebem ser os únicos hóspedes no hotel e é aí que a trama começa. Mas leiam, vocês vão entender melhor lendo o roteiro.”

Após ler todo o roteiro, Otávio demonstra empolgação, enquanto Tatiana demonstra certo medo por conta da história narrada. O roteiro é de um filme de suspense, como disse Lauro, mas o mote é de terror purinho.

“Meio macabro, não, Otávio?”

“Claro que não, Tati. É muito bom. Um filme como este pode alavancar uma carreira.”

“Falou e disse, rapaz. Falou e disse. O Américo Alves também pensa assim.”

“Américo Alves? O grande diretor nacional Américo Alves?”

“É. Eu sou só um auxiliar, o diretor mesmo é ele. Eu faço os testes e passo para ele os resultados.”

“Eu quero fazer esse teste. Tatiana, é nossa chance. Um filme do Américo Alves.”

“Hum, não sei, Otávio. Fiquei com medo do roteiro.”

“A ideia é essa mesmo, Tatiana. Um filme como esse, para ter sucesso, tem que mostrar a que veio. Vamos, Tati. Vamos fazer o teste. Por mim.”

“Está bem. Eu topo.”

“Que maravilha, meninos. A cena que preparamos para o teste é a cena do porão, ok? Vamos descer?”

“Vamos, claro.”

Chegando ao porão, a cena parece realmente estar pronta. Até o cheiro pútrido de cadáveres em decomposição toma conta do ar, como descrito no roteiro. À frente deles, duas mesas chumbadas no chão, com grilhões para pernas, braços e pescoço, onde, segundo o roteiro, o casal passa por torturas elaboradas até quase serem mortos. Justamente quando estão para ter suas vidas ceifadas, eles retornam ao quarto e se veem despertando dos devaneios provocados pelo chá drogado que lhes foi oferecido pelo dono do hotel. Claro que o casal no filme — e os telespectadores — só descobrirão isso e os motivos por trás disso quando o filme chegar ao seu final eletrizante.

“Bem, como vocês sabem, nesta cena o casal fica agrilhoado às mesas. Podemos começar?”

“Claro.”

Otávio se deita na mesa da direita, nem ligando para o cheiro, muito menos para a meleca vermelha parecida com sangue coagulado presa a ela. O trabalho cenográfico parece ter sido tão bem feito que tudo parece real. Tatiana parece confusa enquanto Lauro prende todos os grilhões em Otávio e os testa para ver se estão bem firmes.

“Tenta se soltar, Otávio. Temos que fazer tudo parecer real.”

O rapaz faz força e não consegue se soltar. Está tudo bem preso. Ele sinaliza para Lauro, que se volta para Tatiana.

“Então, Tatiana, pode se deitar.”

“Sabe o que é, Lauro? Eu tô com medo. Acho que não quero mais fazer esse teste, não.”

“Sinto muito, mas agora não tem mais volta.”

Lauro puxa um porrete que se encontrava encostado na mesa de Otávio e acerta Tatiana. Otávio grita enquanto Lauro pega a jovem desmaiada e começa a prendê-la nos grilhões de sua mesa.

“O que você está fazendo, seu maluco? O que é isso?”, pergunta Otávio, com a terrível sensação do erro que cometera.

“Isso é o teste de vocês, meu rapaz. Deixa eu cuidar dela para a gente começar.”

Lauro vai até um armário enquanto Otávio continua a gritar. Ele pega duas seringas e prepara as injeções.

“Isto aqui, meu rapaz, é adrenalina. Isso vai acordar a sua amiguinha e deixar vocês dois bem ligados.”

Lauro injeta a adrenalina em Otávio e em Tatiana e espera o resultado. A menina acorda e esbugalha os olhos ao ver Lauro colocar uma máscara de soldador e empunhar uma makita.

“Hum… vejamos. Por qual de vocês dois eu devo começar?”

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