“Está bem, está bem, Richter, eu conto tudo, mas faça ele parar.”
“Pode parar, Kabai.”
O vampiro japonês, ainda com a lâmina de aço cravada no ombro do Ghoul Isabel, torce a espada mais uma vez e Richter é obrigado a se meter.
“Eu preciso de informações, Kabai. Ela não pode morrer antes de contar o que sabe.”
“Meu trato com você era ajudar a pegá-la.”
“E fazê-la falar. Ou será que depois que vira vampiro um japonês perde a honra?”
Diante de tal afirmativa, Kabai arranca sua espada do ombro de Isabel e rosna para Richter.
“Cuidado quando falar de honra com um japonês, caçador. Fique à vontade, ela é toda sua.”
“Muito bem, Isabel. Do início. Como tudo começou.”
O Ghoul Isabel começa seu relato.
Tudo aconteceu exatamente após Noelle me abandonar à minha própria sorte. Para quem não sabe, ela é minha mãe. Bem, não no sentido de ter sido gerada. Um Ghoul verdadeiro nasce do ventre de outro. Eu sou o que ela me chamaria de falso Ghoul, ou Ghoulean, que é o Ghoul criado por outro através da ingestão de seu sangue. Preferia que ela tivesse me deixado morrer pela peste. Muita coisa não teria acontecido.
Eu sou de Paris e sempre fui uma belíssima mulher. Olhos verdes, cabelo loiríssimo e pele muito alva. Minha felicidade se exprimia em duas coisas: meu bom marido e meu amado filho. Uma pena que muitas histórias felizes terminem de forma trágica, e a minha seria mais uma. Por conta da peste, minha vida mudou rápida e bruscamente. Meu marido pereceu e eu fiquei na rua da amargura com meu filho.
Para uma mulher naquela época, ficar sozinha com uma criança, sem bens e sem família — visto que meus avós, que me criaram, já haviam morrido — tornava o calvário inevitável.
Resolvi, ou melhor, fui obrigada a tornar-me uma mulher da vida. Alguns chamariam de mulher de vida fácil, mas para mim era como morrer um pouco a cada dia. E como desgraça pouca é bobagem, um dia aconteceu: a peste me pegou.
Eu sabia que seria questão de tempo até meu filho contrair a doença e eu morrer. Foi então que o primeiro filho do capeta me visitou. Noelle.
Ela entrou em minha casa sabendo que eu tinha a peste. Ia fazer o que fez em Marselha: aproveitar a doença para aplacar sua fome. Mas então meu filho, com a inocência das crianças, caminhou até ela e perguntou se era o anjo que tinha vindo salvar sua mãe, como ele pedira ao papai do céu.
A desgraçada disse que se comoveu e que o único meio de nos salvar era me transformar no que sou hoje: uma Ghoulean. Salvou-me da morte, mas não do inferno que minha vida se tornou.
Ela explicou que eu teria poderes, mas que precisaria consumir carne humana para sobreviver. Que diabo de vida é essa que se vive da morte dos outros?
Para ela, controlar-se era fácil. Ela nasceu assim, foi ensinada e doutrinada por sua mãe. Mas eu não. Eu só tinha a fome. E em um de meus acessos, matei meu próprio filho.
Naquele momento, eu te amaldiçoei, Noelle. Queria você morta a qualquer preço. Gritei que entregaria até minha alma ao diabo para te ver morta. E foi o que aconteceu.
Ele é lindo, sabia? Quando quer, é maravilhoso. Nada de chifres ou rabo. Ele apareceu e perguntou o que eu precisava. Não era sonho. Lúcifer estava diante de mim.
Eu disse que queria te destruir. E fiz um pacto.
Ele me concedeu conhecimento e controle sobre mim mesma. Mas cobrou caro. Disse que o pagamento era simples: fazer com ele o que eu já fazia para sobreviver.
Eu me deitei com ele.
Loucamente.
Vocês não fazem ideia de como o Diabo é bom na cama. Ele é o rei da luxúria. E eu me apaixonei.
Ele me levou ao inferno. Vi coisas indescritíveis. Descobri segredos inomináveis. Se eu não fosse uma Ghoulean, ele teria me fecundado com o Anticristo.
Ah, sim… vocês devem estar se perguntando como ele veio à Terra. A prisão dele se abre periodicamente para ele “tomar sol” — ela ri — e eu o invoquei exatamente nesse momento.
Nunca quis rivalizar com Lilith. Mas faço minha parte pelo meu amor.
Os Inccubus estavam comigo porque estamos preparando a fuga dele. E vocês só conseguiram me pegar porque assim combinamos.
Você acha mesmo que esse vampiro idiota me faria trair meu senhor?
Tolos.
Sua voz muda. Já não é Isabel. É ele.
“Tolos. Nenhum dos três tem alma pura para ir ao paraíso. Todos prestarão contas comigo. Mas posso ser piedoso.”
Ele tenta um por um.
“Kabai, pense em sua mãe.”
“Noelle, posso libertá-la do fardo.”
“Richter… eu posso entregar a ela a você.”
“Cala-te, vil. Vivi ao lado do teu maior algoz, Furio Archetti. Nada mudará meus princípios.”
“O mundo é grande, caçador.”
“Deus nunca abandona seus filhos.”
“Eu sou melhor que Ele.”
“Chega. Hora de partir, Lúcifer.”
Richter faz o sinal da cruz e entoa a oração em latim.
A explosão arremessa os três contra a parede. O cheiro de enxofre domina o ambiente.
“Vocês estão bem?”
“Sim. Você tem fé mesmo.”
“Eu não vivi todos esses anos por sorte.”
“Cadê a gaijin?”
“Ele a levou quando foi expulso.”
“O que faremos, Richter?”
“O que sempre fiz.”
“Vai enfrentá-lo sozinho?”
“Fiz isso a vida toda.”
“Agora é diferente.”
“Você vai precisar de ajuda.”
“Era só o que me faltava.”
“Se trabalharmos direito, não será nas mãos de Lúcifer.”