Portal Literário

A entrada para uma nova literatura!!!!

Textos

Sombra do Quilombo

                         Diz a lenda, que no tempo da escravidão existiu um guerreiro, sob a alcunha de Sombra do Quilombo, que andava pelas fazendas a libertar os negros e castigar os brancos. Toda lenda é um grande mistério e tem em seu entorno diversas histórias para comprová-la e como tal esta também não poderia deixar de ser assim.
                         Benedito estava no tronco desde cedo. O capataz não lhe dava trégua, ou melhor, dava trégua das chibatadas somente para jogar água com sal em suas feridas. A carne das costas do negro já estava viva e cada vez que o sal penetrava o fazia gritar. Mas ele não se entregava. Tibério batia sem pena, mas o negro Benedito não pedia arrego.
                         Benedito era rei em sua terra. No coração da África ele era o todo poderoso de sua tribo, mas ele havia perdido tudo com a invasão de uma tribo rival. Subjugado foi vendido como escravo, resistiu as intempéries e as vicissitudes de sua viagem para acabar escravo da fazendo de Joaquim Moreira, o Diabo Moreira, como chamavam seus escravos. Benedito não aceitava sua condição e sempre que podia ou tentava escapar ou enfrentava os empregados brancos da fazenda. Justamente os responsáveis por fazerem os negros trabalharem. E aí, não tinha jeito, tronco para o pobre negro.
                                   - Pede arrego crioulo.
                                   - Suncê num vai ouvi isso di mim.
                                   - Então eu vou te esfolar ainda mais, cabra.
                                   - Podi batê. Suncê machuca minha carne, mas num doma meu ispiritu, branco dos infernos.
                                   - Então toma negro maldito.
                         E a cada chibatada, Benedito sente a ira de Tibério. Bater num homem preso é muito fácil e Tibério sabe bem disso. Ele também sabe que se aquele negro tivesse uma chance de enfrentá-lo em igualdade de condições a coisa ia ficar feia pro seu lado, mas isto agora não importa. Ele está por cima da “carne seca” e desce a chibata no lombo de Benedito.
                                   - Tu vais morrer apanhando negro.
                                   - Assim que meu ispiritu se libertá eu mato suncê Tibério. Se eu não viver para isso, meus irmão vão fazer pur mim.
                                   - Duvido muito, seu crioulo desgraçado.
                         O castigo continuou. Tibério perdeu a noção do tempo. Até ouvir um piar de mau agouro. Alguma coruja ao longe piou de uma maneira que o arrepiou até o último fio de cabelo.
                                   - Arre, que diabo é isso?
                                   - Isso, é a sua hora capataz dus inferno. A Sombra do Quilombo vem pegar suncê.
                                   - Crendices. Se esta tal sombra aparecer eu meto bala nela.
                                   - Suncê num vai consegui. Chegou tua hora capataz. Suncê esta noite vai jantar cum capeta.
                                   - Você vai primeiro negro.
                         E num arroubo de fúria, Tibério atira na cabeça de Benedito. Os negros em volta do tronco obrigados a assistir o castigo de seu irmão abaixam suas cabeças em muda oração pela alma de mais um irmãozinho que se vai pelas mãos e sanha assassina de Tibério.
                                   - Aprendam negros. Quem não se comportar vem pro tronco e termina como ele. Vocês dois, tirem o corpo do biltre do tronco.
                         Enquanto os dois negros tiram Benedito do tronco, Tibério resolve ir atrás de Nena, a aia da sinhazinha, a filha de seu patrão. Ele observou bem quando ela passou por trás dos negros que assistiam a surra e se embrenhou no cafezal, bem como o negro Justino que se esgueirou quando ela passou e foi atrás. Agora eu pego estes dois. Se ele estiver com ela relando no mato eu mato ele e depois dou um trato nela, pensa Tibério.
                         Caminhando pelo cafezal Tibério escuta risos abafados. São eles. Ele caminha rápido e decidido em direção a clareira onde os negros depositam a colheita do dia e vê os dois quase nus no chão a se enrolarem.
                                   - Ah seus putos. Vão pro tronco hoje.
                         Pegos de surpresa Justino se levanta e Nena puxa suas vestes para cobrir-lhe a vergonha.
                                   - Hoje tu vai pro tronco, negro. E você, sua puta, também vai, mas antes eu vou me divertir.
                         Antes que Justino ou Nena tenham alguma outra reação, o capataz acerta o negro com o porrete que sustenta seu chicote tirando o pobre de combate e já começa a tirar as calças.
                                   - Não, não.
                                   - Sim sua putinha. Hoje você vai conhecer uma pica branca. E vai gostar.
                         Pulando em cima da jovem, Tibério inicia seu festival de luxúria. A menina ainda tenta reagir, mas ele dá-lhe um soco no rosto e a domina. Subjugada a jovem só faz chorar e rezar.
                                   - Você já foi enrabada negrinha? Pois vai ser hoje.
                         Tibério pega a jovem pelos cabelos e a coloca de bruços a fim de cumprir sua vontade. Lá no meio do mato o piar da coruja se faz ouvir novamente e Tibério sente os cabelos da nuca se eriçarem.
                                   - Que diabo é isso?
                                   - É a Sombra do Quilombo que veio te buscar.
                                   - Cala a boca vadia.
                         Tibério desfere um soco na nuca da menina e se levanta. Ele ouve mais um piar e agora um farfalhar no meio do cafezal.
                                   - Seja esta porra de Sombra do Quilombo homem ou espírito vai levar é chumbo.
                         Do meio do cafezal uma pedra é arremessada atingindo a cabeça de Tibério. Além de cair atordoado ele larga a arma.
                                   - Uhg, mais que inferno.
                         Ele se levanta meio zonzo e o mundo gira. Ele pensa que está vendo coisas ao perceber um vulto sair do meio do cafezal e vir gingando em sua direção. O capataz mesmo atordoado percebe que terá que brigar com o ser que vem em sua direção, e o pior, na mão, desarmado.
                         Tibério se mune de toda coragem possível e investe na direção do vulto. Um, dois, três socos, todos no vazio. A sombra é rápida demais em suas esquivas ou é mesmo um ser sobrenatural que não pode ser atingido. O fato é que após desferir três socos e não acertar o terror perpassa os olhos de Tibério. As pancadas desferidas pela sombra vão acertando de forma doída em seu corpo. Uma, três, seis, ele perde as contas de quantas vezes é atingido.
                         Nena a muito custo vira-se de barriga para cima a fim de ver o que está acontecendo. O horror toma conta de seu rosto ao ver a cena. Tibério grita em agonia e Nena grita de terror.
                         Na fazenda todos ouvem os gritos, primeiro de Tibério, depois de Nena. Na senzala os negros iniciam uma algazarra, vibrando como se soubessem o que aconteceu no cafezal. O Coronel Joaquim Moreira reúne seus homens e alguns dos negros da senzala para entrar no cafezal e ver o que aconteceu. Andando rápido até o local onde Nena continua gritando o grupo se depara com uma cena Dantesca, ou grotesca. O corpo de Tibério empalado onde antes havia um espantalho e seu membro, arrancado do local de origem, aponta para a frente de dentro da boca do morto.
                                   - O que houve aqui negro imprestável? – pergunta o coronel para Justino, que levantara-se a pouco e abraçara Nena.
                                   - Num sei, sinhô.
                                   - Diabo imprestável foi você que matou ele.
                                   - Não sinhô, foi o otro.
                                   - Que outro seu animal? Só tem você e esta negra imprestável. Vai dizer que foi ela?
                                   - Foi... a Sombra. – balbucia Nena.
                                   - O que você disse, crioula?
                                   - Foi a sombra coroner, a Sombra do Quilombo.
                                   - Suncê viu, Nena, viu mermo? – pergunta um dos negros que acompanham o coronel.
                                   - Vi sim. A Sombra do Quilombo veio libertar nosso povo.
                                   - Crendices negra idiota. Você acha mesmo que esta coisa que você diz que viu vai libertar seu povo?
                                   - Olha pru corpo do teu capataz e responde suncê mermo coroner.


Léo Rodrigues
Enviado por Léo Rodrigues em 23/07/2012
Alterado em 23/07/2012
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras